O Careca


Pense num bicho que pra eu ter abuso: homem oferecido. Detesto. As coisas do coração, para mim, são pura magia, ou acontecem ou não acontecem. Comigo não tem jogo de sedução.
No entanto esse causo que lhes vou contar pede outros igualmente engraçados, por exemplo, o compadre Sô Lalá gostou muito da estória da calcinha invocada e me pediu que falasse mais sobre as minhas calcinhas. Essa é pra você, compadre.

Um tempo desse eu trabalhava numa empresa acolá que era frequentada por um enxerido que cismou comigo. Eu tinha muito ódio.
Primeiro ele começou beijando a minha mão quando chegava porque percebeu, em sua astúcia, estar a tratar com moça fina. Até aí tudo bem, mas só que o oferecido começou com as atrevessença, que eu era uma morena linda, que gostava de mulheres altas e sandálias de salto 12 deixavam-no louco. Ainda por cima era casado, o desinfeliz.
Um dia, eu estava falando ao telefone de costas para ele. Quando desliguei ele disse "posso lhe dizer uma coisa?" e eu: "pode."
"Sabe o que é, olhando você aí, de costas, com essa calça apertadinha, tive um pensamento que as calcinhas que você usa são daquelas bem pequenininhas, rendadas, estilo fio dental.
Oh, rapaz. Pra que. Meu sangue ferveu mas eu me contive. Mordi os lábios com força, contei até cinco e respondi: "Ah, as minhas calças? Compro no Beco da Poeira, três por dez reais!"
Aí o cabra murchou. Nunca mais veio com conversinha pro meu lado.

Outra estória engraçada foi um sonho que eu tive. No sonho eu estava me preparando para casar e, vez em quando, passava um moreninho com um lindo sorriso olhando para mim e eu toda animada: "meu noivo é esse aí". Vestia o vestido de noiva, punha a grinalda, pegava o buquê e de repente, nessas coisas de sonho, eu já estava na porta da igreja mas quem me esperava no altar não era o moreninho mas um cabra muito do feio, cara de lua, chapéu de couro na cabeça e faltando um dente da frente. Corri no sonho sem olhar para trás.

Na crônica da Moça das Gerais eu falei que aprecio demasiado o belo no feminino. Quando vejo uma mulher veramente bela olho dos pés à cabeça e da cabeça aos pés, até dobrar a esquina. Mas não passa de apreço estético. A química, a sintonia, é com o gênero masculino.

Apois. Certa noite, vindo da faculdade, quando entrei no ônibus estava tocando "Cavalgada", com o Tremendão e a Abelha-Rainha. Eu adoro essa música, é linda demais. Comecei a cantar junto. E eu canto de modo audível, não tou nem aí.
A noite parecia feita para o romance. Como ia direto do trabalho assistir aula, eu estava bem-parecida no meu terno preto, a pasta de livros, a maquiagem sóbria. E segui cantando:

"Estrelas mudam de lugar
chegam mais perto só pra ver
e ainda brilham na manhã
depois do nosso adormecer"

Chegando ao terminal, fui para a minha parada. No ente ouvi uma voz atrás de mim:
"Estrelas mudam de lugar..."
Quando eu dei fé um careca apareceu na minha frente com dois copos de caldo. Adivinhem pra quem era um.
Recusei delicadamente. E fiquei procurando a alma que queria me dar a botija, pois que uma marmota daquela não ia me aparecer a troco de nada.
Enquanto tomava os caldos ele ia me fazendo perguntas, onde eu morava, fazia que curso, trabalhava em que. Como a coisa mais difícil do mundo é eu ficar de mau humor, ia respondendo de bom grado, trocando as respostas que eu não sou besta. Morava no fim da linha, fazia Direito, trabalhava de promotora de vendas. Fui dando corda. Ele chegou mais perto e perguntou se eu tinha filhos.
Não.
Era casada?
Não.
Tinha namorado? Aí chegou onde eu queria:

"Não tenho namorado não, tenho namoradA, linda, maravilhosa e ryca. PM inclusive. Ela já deve estar em casa me esperando..."
E consultei demoradamente o relógio. Quando alevantei a vista, cadê o careca. O canto mais limpo.
Fui pra casa bolando de achar graça.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 13/07/2015
Reeditado em 13/07/2015
Código do texto: T5308992
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