Recepcionista de Motel


Primeiro emprego é coisa difícil na vida de um jovem que está entrando no mercado de trabalho. As empresas pedem experiência em carteira e eles não tem, então, ou vão trabalhar nessas lojas de departamento que os espremem como laranjas e depois jogam fora o bagaço ou vão ser atendentes de call center. Não sei qual dos dois é pior. Se bem que hoje existem programas de incentivo para que as empresas contratem estagiários como o Menor Aprendiz, o CIEE.
Mas no meu tempo não tinha isso não. Depois de passar uma temporada no inferno, digo, convento, saí com três pés (dois no chão e um na bunda) e tratei de organizar minha vida que burra eu nunca fui. Primeiro trabalhei como empregada doméstica para uma família muito gente fina, passei cinco meses com eles. O que ganhava, como não tinha gastos, guardava e depois aluguei uma vaga em pensionato feminino. E fui em busca de emprego, mas vejam só o que eu arranjei: recepcionista de motel.
Muita gente pensa que nesse ramo a bagunça é generalizada mas não é não. Trata-se de um estabelecimento comercial, tem regras, leis trabalhistas, uniformes.
O diferencial é a clientela.
Os horários de trabalho são extenuantes, escalas de 12x36 horas mas olhem, eu nunca dei tanta risada na minha vida como nesse tempo. Caros leitores, é muita marmota que aparece.
Tem também os casos tristes, as esposas que ligavam de noite, chorando, me dizendo placas de carros dos maridos para eu dizer se eles estavam lá com as raparigas. Deviam passar a noite a ligar para todos os motéis da cidade. E eu mentia por piedade. Essa qualidade de mentira Deus perdoa. Se eu desse uma de profissional, "senhora, esse tipo de informação não nos é permitido fornecer" era o mesmo que dizer "seu marido tá aqui." Então eu mentia. Jurava de pé junto como aquele carro nunca tinha entrado naquele motel. E olhando o número da placa do carro do infeliz registrado no computador.
 
Avalia se a mulher soubesse que em vez de uma rapariga era um rapaz que frequentava o estabelecimento com o marido dela.
 
Apois. Mas tinha também as marmotas e não eram poucas. Certa vez um surdo-mudo chegou, bateu no vidro fumê e começou a fazer mungango. E eu sem entender nada, então tive a ideia de dar-lhe caneta e papel. Ele escreveu: "qual é o preço?" Escrevi "consta no painel à sua frente." Ele: "tem mulher aí?" Eu me segurei para não escrever de volta "aqui não é cabaré". Só escrevi "não".
O caso do Padre foi muito engraçado.
Entrou um jovem casal, verifiquei as identidades, tudo certo.
Só que os pombinhos se esqueceram do mundo. Depois de umas quatro horas lá se vem o carro. "Sabe o que é, eu não tenho esse dinheiro todo para pagar, o que a gente faz?" Eu disse "bem, nesse caso você deixa o seu celular e algum documento aqui (nesse tempo celular era artigo de luxo) e amanhã vem buscar." Aí o rapaz ficou sério. "Não posso deixar meu celular." Eu quis saber o porquê. "Eu sou padre e pode alguém da diocese me ligar." Aí não teve jeito, dei uma sonora gargalhada. Garanti que ia deixar o aparelho desligado e ele que inventasse uma boa desculpa para o bispo. Para tirar a história a limpo eu liguei para a casa paroquial e perguntei pelo padre fulano (o dito cujo). O vigário disse que ele tinha ido celebrar uma missa em tal canto. Missa. Sei. Mas deu tudo certo e todo mundo ficou feliz. E era bonito, o padre namorador. Moreno, lindos olhos castanhos, cabelos cacheados. Devia fazer sucesso com o grupo de jovens.
Tinha também o homem que entrava sozinho, ficava horas sozinho na suíte e usava todos os itens necessários em uma relação íntima (não vou entrar em detalhes porque sou uma escritora de família), depois pagava em espécie e ia embora. Tem muita gente estranha nesse mei de mundo.

O estabelecimento era frequentado por anônimos e celebridades da Fortaleza Bela. Apresentadores de TV com suas assistentes de palco, um deputado cuja assessora achou ruim porque eu não permiti que ele entrasse "só para tomar um banho" (sei!) e saísse sem pagar (marminino!), um ex-professor meu, muito santo (até do ECC fazia parte com a esposa) com uma ex-colega de classe (a bicha conseguiu virar a rapariga dele!), muita gente conhecida. Eu os via mas eles não me viam.
Um dia um idoso entrou com uma profissional do séquisso. Cerca de meia hora depois a moça saiu e eu, obviamente, liguei para perguntar se ela poderia ir embora (vai que ela tinha matado o velho!) e ele "pode sim, minha filha, deixe ela ir simbora, deixe!". Daí a pouco lá se vem o velho, com o nariz sangrando, cheio de roncha, mancando. A bonitona deu-lhe uma tremenda surra, tomou todo o seu dinheiro e o ameaçou de morte caso ele tentasse impedi-la de sair. Era uma confusão atrás da outra e eu sempre fui de coração mole mas fazer o que, a empresa não era minha. Lá se vai o pobre ligar para o filho ir buscá-lo levando o dinheiro para pagar o motel.
E a velhinha dele, aposto, morta de santa dentro de casa. Como ele explicou os machucados eu não sei, deve de ter inventado que foi assalto.
Teve também o velho (esses velhos, são os piores) que entrou com uma novinha na boléia e um bode na carroceria. Acontece que o bode se soltou, correu o motel inteiro e não tinha quem pegasse o bicho. Nesse dia eu ri que chorei do velho, em mangas de camisa, correndo atrás do bode.
E havia o problema dos quinze minutos. Por exemplo, se o casal ficasse uma hora e dezesseis minutos, tinha que pagar o preço de duas horas. O povo odiava isso. Teve um que me fez rir demais dizendo que os quinze minutos ele passara no chuveiro, tentando tirar a catinga do sabonete que era muito ruim, parecia feito daqueles óleos de fritar batata dos vendedores da Praça José de Alencar. De outra entrou foi uma turma, umas quatro pessoas dentro do carro. E não queriam pagar a hora pelos dezesseis minutos.
O segurança de lá era uma atração à parte. Dormia da hora que chegava até o amanhecer. Aliás que Deus o tenha, tadinho, fiquei sabendo que morreu.
Apois. Nesse dia da turma todos faziam muito barulho, mais por diversão que confusão. Resultado: acordaram o segurança, que foi lá fora ver o que estava acontecendo, com um mau humor medonho. Nesse dia ele estava de branco da cabeça aos pés. Aí um homem se virou pra ele e disse "e esse macumbeiro, quem é?" Oh, rapaz. Pra que. Quase morri de dar risada.
Outro cliente sugeriu que o dono pusesse uma lixa no banheiro, seria mais suave que o papel higiênico de lá.
Olhe, é tanta estória que dá um livro. Talvez eu até escreva um só com esse tema. Mas não era fácil não. Era muita responsabilidade, principalmente em não deixar que menores de idade entrassem. Ainda hoje eu tenho pesadelos em que ainda estou trabalhando lá, o motel está cheio de crianças correndo e se escondendo nas garagens e eu tentando expulsá-las, os dois portões abertos e o povo entrando sem eu ver e saindo sem pagar.

Foi traumatizante, o meu primeiro emprego. Mas que também era divertido, isso era.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 15/07/2015
Reeditado em 15/07/2015
Código do texto: T5312366
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.