O poeta que amou o silêncio

Perdido em meio a um labirinto de livros, sentado na mesma mesa de madeira de lei manejava a pena com destreza o poeta. De seu espírito brotava mais um jogo de palavras, mais um poema para a amada musa, mais uma série de definições, feliz esse dom de definir sentimentos, pessoas são óbvias na sua maioria, sentimentos são ímpares. Era um final de tarde desses onde o vento começa a trazer a maresia e a praia deserta também vai ficando gelada, o céu mostrava um laranja impossível de se conceber à mão livre. Escondeu rápido os papéis ao ouvir ranger a escada, e lá vinha ela trazendo o melhor café do mundo na hora mais própria do mundo e sempre fora assim, sintonia cúmplice. os dois ficaram por ali olhando juntos o laranja do céu e as ondas cada vez mais crispadas do mar da tarde daquele paradisíaco final de mundo. Sozinho de novo o poeta continuou sua obra, há, nem se sabe, quantos anos aquela cena se repetia, as linhas escritas por ele sempre compunham uma surpresa para ela, toda sua obra, toda sua vida. A musa primeira e eterna, significado da sensação amor, inspiração, nunca confirmara que o amava, nunca o dissera, mas a certeza era tanta que o silencio que se seguia após seu sonoro "Eu te Amo" era insignificante e revelador. Privado de ouvir da boca amada o verbo mais doce o poeta sentia, no sabor da sua comida, no aconchego do seu café, na liberdade do seu sexo, na pureza com que depois do banho aparecia vestida com uma flor na cabeça, na intensidade do seu cheiro, do cheiro de suas lavandas, no seu andar....sentia através do silencio tão bem sinalizado que o amor ali residia e sim, amor por ele. Amor eterno que se guia pelas estrelas.