Diário
 
Faz uma linda manhã do lado de fora. O lado de dentro encontra-se em estado deplorável porém não há mais nada a se fazer.
Choveu a noite toda e o Sol parece ter se banhado na chuva, está fresco e risonho como uma criança dourada.
Saio para uma longa caminhada com o Favinho. Sua cara de gato me olha sorridente, olhos como retalhos de céu, e sorri. Sorrio de volta. 

Percebo-me andando com a mão no peito. Mas ainda não senti a bala hoje. Talvez seja a alma querendo certificar-se de que o coração ainda bate.

Acordei com vontade de ler Virginia Woolf. A inglesa era uma mulher extraordinária mas enquanto escritora era uma mala. Uma mala extraordinária, no entanto. Como esquecida em meio a um campo imenso e verde e ficássemos a sonhar com o que haveria dentro dela, um corpo? Vestidos antigos? Cartas?
 
Há momentos em que sonhar é melhor que viver. Porque no sonho o tempo não segue. Constatei que o tempo é parado, um caminho pelo qual a vida segue e que não vai dar a lugar nenhum.
Que importa. Resta-nos caminhar.
Lembro-me da estação. Não é a Sussex provinciana, Virginia. Não é Londres nem Lisboa nem Fortaleza. É dentro de nós, escritora. É sermos estrangeiras para nós mesmas. Conosco não houve a transição, ficamos eternamente presas no intervalo entre o não-ser e o devir.
 
O Sol continua risonho. O menino vento ergue com um sopro as folhas secas. O Favo canta Pierrot e as lágrimas insistem em cair.
Preciso aprender a chorar para dentro.
Uma linda borboleta de asas negras debate-se contra a vidraça, até encontrar o caminho da liberdade.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 19/07/2015
Reeditado em 20/07/2015
Código do texto: T5316789
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