As Noviças
 
Dos tempos que morei no convento eu sinto saudade só das noviças. Ou melhor; delas, do jardim e do quintal.

As meninas eram uma graça, cúmplices, encantadoras. Da trupe de cinco, só uma fez os votos perpétuos, uma amarela empombada babona e falsa que entregava as nossas armações para as freiras.
As meninas eram legais demais da conta. No meu dia de ir para a cozinha era um horror, eu não sabia e não sei cozinhar. Quando eu servia aquela gororoba e a Irmã Felícia reclamava que estava ruim elas diziam em uníssono: "está uma delícia".
A mais novinha era a namoradeira, se enganchou com um seminarista, só falava nele e eu, macaca velha, tratei de alertá-la que estava dando muita bandeira e as velhas poderiam desconfiar.

Ai, o quintal... imenso, cheio de árvores, pés de macaxeira, mamão, ata. Da porta da cozinha eu marcava uma carreira e me atrepava nos pés de jambo, comendo os frutos deliciosos enquanto a cachorra me esperava embaixo para me morder.
Os pés de macaxeira que se arrancavam com facilidade, depois deixá-las de molho por uma noite para soltarem a casca, as formigas furiosas que mordiam sem ver pra que.
No jardim havia as roseiras estupendas, cujas flores desabrochavam em perfume e cores ao nascer do sol.

A Raquel, uma noviça do Codó, me disse um dia "Vera, e se a gente entrasse de surpresa nos aposentos das irmãs e elas estivessem cada qual com um macho?" Dei risada demais.

Outro episódio foi o da missa; houve uma comemoração de anos da Irmandade, teve fotógrafo e tudo. Mas elas não nos mostraram as fotos, só pra fazer o mal. Então montamos o esquema; Raquel ficou no portão pastorando, caso elas chegassem, Clara foi para a cozinha, Ana se fez que estava varrendo o pátio e eu invadi o quarto de cada uma (eram três) à procura das fotos. Quando achei foi uma festa, fomos olhar e mangar. Aninha, bolando de rir, disse que elas tinham escondido as fotos porque ficaram muito feias.
Aprontávamos muito, nós quatro. A amarela babona é que vivia cheirando o cu das freiras, andava com elas pra cima e pra baixo. Bicha do meu abuso, nunca vai sentir cheirinho bom de homem. Bem feito.

Apois. As malditas criavam galinhas e vendiam os ovos, não deixavam a gente comer um. Quando elas saíam, uma de nós ia ao galinheiro, recolhia os ovos que lá estivessem e amarrávamos em uma sacola embaixo da cama, para comer escondido.

O dia dos peixes foi muito engraçado. Mandaram logo quem comprar peixe para o almoço: a Srta. Vera. Fui ao mercado então. Nunca tinha comprado peixe na galáxia, isso era tarefa do pai e o vendedor manjou minha inexperiência, me vendeu um quilo de peixe estragado. Quando eu vinha voltando só via os urubus em procissão atrás de mim (havia muitos urubus na cidade) e eu pensando "ô curdiacho, que que esses bichos querem?" Quando cheguei foi uma briga, me repreenderam severamente, que não tinham dinheiro vadio e jogaram os peixes longe, para deleite dos voadores.

Às vezes me pego pensando por onde andam as meninas. Já devem ter filhos, maridos, preocupações adultas. Queria muito revê-las e juntas rirmos daquele tempo.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 22/07/2015
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