Pequenas Crônicas de uma Fase Dourada de Minha Vida

Ainda no 5º Grupo escolar, onde estudava na parte da manhã, à tarde eu ia trabalhar no Bar do senhor José Augusto Coelho. Meu primeiro trabalho remunerado. Estávamos em 1945 e eu com quase 11 anos já havia sido aprendiz de barbeiro, de alfaiate, de sapateiro. Também já havia até trabalhado numa lavanderia. Sempre sem remuneração.

Porém, para mim, trabalhar em um bar representava um manancial de oportunidades, de ensinamentos. Ouve-se muito, aprendem-se muitas coisas, também. E passamos a conhecer um enorme numero de pessoas, de todos os tipos. Homens como o Bisteca, o Acássio e o Peneira. Talvez os únicos batedores de carteiras na época, em Campinas.

Como sempre havia trens chegando ou partindo da estação. Este local era o campo predileto dos artistas, como eles mesmos se intitulavam. Só sei que a cada vez que eu os atendia com um café ou alguma bebida, eu ganhava boas gorjetas. Quando o meu patrão, o senhor Coelho, se dirigia a eles era sempre para falar que eles não tinham consciência. No seu modo português, muito puro dizia:

“..Os Senhores vivem a assaltar bêbados e aleijados e gente muito simples..”. E eles riam do modo como o meu patrão falava. E a bem da verdade eles não carregavam, sequer, um cortador de unhas. Viviam sempre bem vestidos e conviviam com todos, sempre de forma muito educada e cortes. Inclusive com os policiais, que na época eram muito poucos. O seu campo de atuação eram as aglomerações de pessoas.

Um dia o Bisteca disse: “...vocês ainda irão sentir saudades dos batedores de carteiras, pois não agredimos as pessoas e não deixamos traumas. A nossa atuação é limpa e artística...”.

Como já tive a oportunidade de dizer, um Bar Café e Restaurante era um livro aberto para um garoto de quase 11 anos, que via, ouvia e participava de muitas coisas.

Estávamos no governo do Marechal Eurico Gaspar Dutra que havia decretado o fechamento de todas as casas de jogo de bicho. Porém, depois de algum tempo, mesmo com um policiamento muito eficiente, muitos se aventuravam a fazer as apostas no bicho de forma clandestina.

O meu patrão José Augusto Coelho, sempre respeitando as leis, nunca permitiu que alguém usasse as dependências do nosso estabelecimento para apostas clandestinas. E assim foi correndo o tempo.

Um dia, um senhor estava fazendo suas refeições no reservado do Bar. Porém, ele havia deixado o seu paletó pendurado numa cadeira muito próxima da rua. Então, eu, temendo que alguém que passasse na rua pudesse apanhar o paletó e levar embora, visto o grande numero de desocupados que transitavam por ali, levei o paletó para o nosso vestiário. Por que havia no Bar muitos senhores e o dono se identificaria. Nesse momento entraram 4 homens no Bar. Eram da polícia de São Paulo a cata de cambistas, o que dava cadeia a quem não cumprisse as leis. Muito cordiais aceitaram o café que o senhor Coelho lhes ofereceu. E disseram:

“..Nós sabemos que a sua casa é honesta e que nada de anormal o senhor deixa acontecer aqui. Nossos parabéns, e muito obrigado pelo café..”.

Logo que os policiais foram embora um senhor que não ea frequentador habitual do nosso estabelecimento, pálido como um papel, disse: “...Quem guardou o meu paletó?”. Eu lhe disse: “..Fui eu.”. Então, ele me abraçou comovido e disse: “..Você me livrou de uns 6 meses de cadeia, caso esses policiais que aqui estavam encontrassem meu paletó e resolvessem revistar os bolsos. Deus lhe pague por isso..”.

Laércio
Enviado por Laércio em 29/07/2015
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