A Canção do Boulevard

A Avenida 28 de Setembro, que ficou conhecida pela denominação já esquecida de Boulevard, nos idos de 1960 tinha mesmo certo aspecto francês. Vindos da antiga Praça Sete, os carros “desciam” pela mão direita, a mesma dos bondes (por exemplo, o 75, Lins de Vasconcelos, e o 74, Vila Isabel-Engenho Novo), passando pela Escola Argentina (e atrás dela o nosso querido Col. Estadual João Alfredo) em direção à cidade. E “subiam”, é claro, com os bondes pelo lado contrário, passando pela Ass. Atlética Vila-Isabel, que possuía um dos melhores times de futebol de salão que o Rio conheceu. O Ricardo (“Cado”) da nossa sala no João Alfredo era um de seus craques.

Era uma alameda arborizada, bonita e tranquila de se transitar, ainda que em seus passeios não víssemos as pedras portuguesas que colocaram depois com as músicas do grande Noel.

Hoje, apesar da retirada dos bondes, da utilização das duas mãos para a “subida” e das calçadas em pedras portuguesas, talvez a via não tenha o mesmo brilho. Pois se entupiu de carros.

Os militares que antidemocraticamente assumiram o país em 1964, preocupados em correr atrás de subversivos – a Doutrina de Segurança Nacional, mais um produto importado –, não atinaram para o fato de que quem tinha de se preocupar com questões de mobilidade urbana, expressão não utilizada na época, seríamos nós. E não as indústrias de automóveis do exterior que começavam a implantar (ou vinham implantando) suas montadoras no país. O negócio deles era que vendêssemos o maior número de carros que pudéssemos e não nos esquecêssemos da remessa de lucros.

Além disso, seguindo-se à retirada dos bondes, obtusa iniciativa de um de seus apoiadores, o temível e grande orador Carlos Lacerda, os donos do poder começaram a favorecer a redução e depois o sucateamento da nossa malha ferroviária. Prejudicando irreversivelmente o transporte de carga pesada e de passageiros. E, em consequência, entupindo nossas principais estradas de carros e caminhões. A ponto de se dizer, com inegável propriedade, que “sem caminhão, o Brasil para”. O que é válido até hoje.

Nesse meio tempo, começa a despontar no ABC, São Paulo, uma liderança metalúrgica. Que, carismática e com notável poder de mobilização, consegue atrair setores diferenciados e expressivos da classe média. Já que o primeiro discurso foi direcionado e naturalmente absorvido sem restrições pelo conjunto dos menos favorecidos.

Tempos depois, com exceção da parte maior dos mais aquinhoados, todos ficamos fascinados pela ascenção à presidência da nação do líder metalúrgico oriundo do interior e sem formação superior. Pela possibilidade de se tratar de ninguém melhor para representar os interesses e anseios da maioria do povo brasileiro, sobretudo após a penúria ditatorial a que esteve submetida a população.

Contudo, sob a alegação de que sem conciliação ou aliança não se pode governar, constatamos depois a coexistência sem arestas entre o que poderia representar as esperanças populares e as expressões maiores da burguesia nacional. Algumas das quais cuja importância pode ser avaliada pelas propriedades que se confundem com o tamanho de determinado Estado da federação.

Por certo é uma história conhecida. Mas como todas as que podem suscitar algum interesse, não custa ser lembrada. Ainda que seja como reforço para a situação do cidadão que se “encontra no mato sem cachorro”.

Rio, 11/02/2015

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 02/08/2015
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