O Cabra que era Doido pra Ganhar na Loto
 
Era mesmo. Doido pra ganhar na loto. Não podia ver uma placa de carro, uma data de aniversário, até um número de telefone servia para palpite. E apostava alto, o cabra, sempre na confiança de "dessa vez eu ganho".
Daonde. O Cão fazia tanta hora com a cara desse caboclo que saíam todos os números próximos dos quais ele jogava, por exemplo, se ele jogasse 1, 3, 5, dava 2, 4, 6.
Já tinha virado piada na cidade. O cachorro vivia de titela doída de tanta pesada que levava, a mulher jurava que ia deixá-lo, os filhos passavam vergonha na escola.
A situação estava insustentável. Até que um dia um seu conhecido, metido a macumbeiro, lhe vendeu um livro de São Cipriano Capa Preta. "Dessa vez tu ganha, dizia ele, esse é o autêntico livro que Cipriano roubou da bruxa Égua. Mas tem que abrir o livro com todo arrespeito e pernunciar com fé que a reza é forte. Deixe uma caneta por perto mode anotar os número."
Ficou muito satisfeito. Levou o livro mal falado para casa. A mulher quase teve um passamento de tanto medo. Disse que fosse fazer as macumbas dele no quixó da mãe dele, não dentro da casa dela.
O cabra, nem tchum. Quando ele tivesse fazendo burbulim de dinheiro ia deixar aquela cangaia velha, ora se ia. Arranjaria uma bem novinha e cheirosa. Uma não; duas.
Quando foi de noite nem jantou, tão ansioso que estava. O livrão, morto de preto em cima de um tamborete, parecia que tava era olhando pra ele.
Conhecia a má fama do livro mágico. Tinha medo mas a ganância era maior.
Armou a rede no alpendre, pegou a lamparina, uma caneta, o livro e abriu na página da oração para ganhar no jogo. Fez a reza com muita seriedade e esperou, esperou que cansou, uma, duas horas e nada.
"Macumbeiro fi de rapariga, roubou meu dinheiro!" E jogou o livro longe, puto da vida. Apagou a lamparina e se embrulhou, adormecendo em seguida.

A certa altura da noite sonhou com os números sorteados, bem amostradinhos, quase dava para tocá-los. Acordou na mesma hora, muito nervoso, os números apregados no fresco da memória. Achou a caneta perto da lamparina mas só faltava o bendito livro para anotar, o terreiro estava escuro e o diabo do livro era preto.

Foi quando ele viu.

Do nada apareceu um pinto do tamanho duma pessoa adulta, chega levantou o punho da rede quando passou por debaixo.

"PIU! PIU! PIU!"

O cabra só não se cagou porque não tinha bosta pronta. Caiu ao tentar se levantar da rede e meteu o pé na carreira, o lençol enganchado na canela como se fosse o pinto gigante a segurá-lo. Correu doido, só parou quando o corpo perdeu as forças.
Ainda hoje vive, o cabra, pobre e ainda por cima abilolado. Dizem que ele não pode ouvir o piado dum pinto, corre chega o pé bate na bunda.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 03/08/2015
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