União, ginga e tapioca

Pensamentos vagam, o olhar penetra na imensidão do mar, toca o horizonte, reflete nas ondas, ilumina o céu. A natureza, senhora dos seus desejos e dona de tão sublime cenário, assiste o desfile do tempo.

A manhã passa lentamente. Chega o meio-dia. Em passos retos e curtos, aquela senhora que já passou dos sessenta anos caminha à beira mar com um recipiente plástico cheio de tapioca. Apesar de caminhar devagar, tem pressa. Pressa para ver logo o resultado do seu trabalho transformado em alguns trocados, para comprar o jantar para ela e os cinco netos pequenos que ficaram em casa à sua espera.

Pouco tempo depois, com o sol escaldante derrentendo-se sobre sua cabeça, surge o primeiro freguês, que pergunta: “E não tem hoje aquele peixinho frito dentro da tapioca?”. “Tem não sinhô”. Ela responde com um leve sorriso nos lábios e diante da negativa do rapaz, continua andando. A vendedora sabia que não seria fácil vender somente a tapioca. Faltava a tão solicitada “ginga”, que seria trazida do mar, não sabia quando, com o retorno do marido, pescador experiente que há uma semana estava nas águas ora rebeldes, ora calmas, do oceano Atlântico.

Indiferente a tudo isso, a tarde foi terminando e a noite chegou. Na cozinha da pequena morada, a vendedora distribuía algumas tapiocas que restaram com os netos, que as saboreavam com um café forte. Não houve dinheiro pra mais nada. Começa a novela das oito. Ela se acomoda no velho sofá, de assentos rasgados e encostos remendados com pedaços de retalho.

Assim como a noite, seu marido entra sem avisar. No semblante cansado e vitorioso depois de mais uma batalha, a certeza que as vendas de amanhã serão melhores. Tapioca e ginga, marido e mulher. Unidos, sempre serão mais fortes.

João Ricardo Correia
Enviado por João Ricardo Correia em 19/06/2007
Código do texto: T533435
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