Manuela

Diziam-me que com o tempo a dor passaria. Diziam-me que eu conseguiria voltar a minha rotina.

Mas eu acho que eles nunca tiveram essa dor.

Meu nome é Vitor Linton e eu perdi minha namorada em um acidente de carro. Manuela ficou presa entre seu próprio carro e o carro que a matou. Seu assassino, bêbado, ficaria alguns anos preso, mas a minha mulher eu nunca teria de volta.

Manuela era uma mulher linda. Todos os dias, quando pensava nela, procurava algum defeito em suas feições e gestos, mas nunca encontrei.

Naquele dia, eu estava arrumando um belo jantar. O jantar no qual eu a pediria em casamento.

Mas esse jantar nunca aconteceu.

Recebi uma ligação naquela noite e depois de alguns segundos ouvindo a voz de minha sogra, meu mundo desabou. O chão se abriu sob meus pés, me derrubando em um abismo que até hoje, dois anos depois, eu não via fim.

Manuela me deixou com nossos planos e sonhos que nunca se realizariam. Deixou-me com todo o nosso amor, que me sufoca mais a cada dia.

Hoje eu estava indo a uma festa. Não porque queria, é claro, mas por insistência de nossos amigos. Já na fila, eu podia sentir o cheiro forte de bebida, que eu reconhecia muito bem. Reconhecia pois era ela que me acompanhava em minha caminhada solitária na tentativa de esquecer Manu.

Entramos. Fiquei a noite toda assistindo meus amigos dançarem e se divertirem. Eu me sentia bem em vê-los felizes. Sabia que Manuela também ficaria feliz em vê-los assim.

Mas eu... fiquei sentado a noite toda, me recusei a conversar com qualquer um que não fosse a bebiba. Afundei-me ainda mais.

Levantei-me quando já via as coisas retorcidas. Avisei a um de nossos amigos que iria embora e saí da boate. Entrei em um táxi qualquer e dei meu endereço. Enquanto o homem dirigia, eu chorava no banco de trás. Quando chegamos, o homem se manifestou:

- Você quer ajuda?

Olhei de relance para sua expressão de pena e abaixei a cabeça.

- Se você já tiver descoberto como trazer as pessoas de volta à vida.

A expressão de pena do homem só piorou, me fazendo deixar o dinheiro no banco e descer do carro. Meu peito latejava, como se reclamasse pela minha saída. Ignorei e caminhei até minha sala depois de uma dura briga com a fechadura. Infelizmente, eu estava bêbado novamente. No começo, a bebida ajudava a esquecer Manuela; agora ajudava apenas a me deixar pior.

Peguei um litro do que bebia na festa e caminhei até a varanda. Manuela gostava de sentar-se ali para ler enquanto eu trabalhava ao seu lado. As cadeiras ainda estavam como ela gostava: uma colada na outra, em sinal de companheirismo. Observei o céu; estava cinza, como se refletisse meu próprio estado.

Olhei a garrafa e no vidro vi o reflexo de minha namorada sentada em sua cadeira, me encarando com seus grandes olhos azuis. Em um ato de desespero, joguei a garrafa contra a parede, fazendo o barulho ecoar por toda a casa.

- SAIA DA MINHA CABEÇA! - gritei com força, depois sussurrei com dor: - Saia do meu coração.

Ouvi, baixinho, um murmurar negativo e olhei para o lado.

Naquele momento, eu soube que estava estupidamente bêbado.

- Sabe que você é quem limpará isso amanhã, certo?

Milena Hipólito
Enviado por Milena Hipólito em 06/08/2015
Código do texto: T5337320
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