Adeus...

Quase dois anos... É um longo tempo! Tempos difíceis em que me voltei por inteiro para dentro de mim, para olhar as minhas culpas, dores, mágoas, sentimentos e ressentimentos, as feridas abertas e expostas... Tempos difíceis...Tempos de sofrimento e privação, afetos antagônicos, dúvidas, culpas imensas, perdas, solidão, muita solidão, dores e mais dores... E me doeu perceber que algumas pessoas se alegraram com isso e ainda hoje se alegram... Olhar para a própria existência é uma tarefa complexa e buscar soluções para um dilema existencial deste tamanho não é nada fácil. O que pode fazer um homem que perdeu quase todas as suas referências de vida e se vê de repente sem caminhos? Só me restava pensar, repensar, reinventar-me... Eu e tu... Não foram só alguns dias... Foram quase vinte e cinco anos! Fizemos coisas boas , vivemos grandes momentos e tivemos, amamos e criamos os filhos, os educamos e os encaminhamos para a vida como pessoas dignas e amadas. Realizamos coisas e fracassamos em outras... Um dia, creio que nos amamos, mas falhamos... Não posso falar por ti. Posso falar apenas de mim e sobre o que senti, vivi e sinto hoje. Foram dois anos de uma quase inexistência, uma quase morte, semi-vida! Me tornei um solitário por opção, tocado e tangido pela necessária e angustiante tarefa de me revisar de alto a baixo... Pensei e pensei... Fui ao fundo de mim mesmo, tentei juntar pedaços a muito perdidos, destroços, buscando me recompor como pessoa... Procurei me reaproximar de ti e fui rejeitado. Sem ter aprendido nada , tentei novamente... Idiota, cego... Como fui idiota! Não quis enxergar que já estavas resolvida a muito tempo e não percebi o que era claro, evidente. Não quis ver que, nas tuas soluções, estavam também as minhas, em frente aos meus olhos. Ofereci o amor que não querias e atirei ao chão, ao lixo, os meus mais preciosos sentimentos... Me humilhei e me rebaixei a extremos como pessoa e como homem e não lembrei que o amor precisa de retorno e que era impossível fazer o que fiz sem que eu fosse ferido. Duras as tuas palavras, muito duras... Inevitável o sofrimento! Esqueci que, em vinte e cinco anos de convivência, fui sendo aos poucos abandonado, embora os teus avisos fossem claros e diretos: Tinhas dúvidas, não me amavas e não me querias mais... Apenas me suportavas, como um objeto qualquer que estava por ali, largado em algum canto, sem valor, um traste incômodo... E eu só queria o teu carinho.... Não pretendo justificar os meus atos ou me desculpar em cima disso. Simplesmente aconteceu. Não me esforcei para manter a relação, desisti, pois nada conseguia ter de ti! Nada fizestes para me buscar ou me encontrar... Procurastes uma infinidade de atividades fora de casa, me acusavas de te privar de liberdade, embora sempre, sempre tenhas feito tudo o que querias. Entendias o meu te querer mais perto como aprisionamento, mas era o teu desejo de ficar distante de mim que sempre prevalecia.... Eu só queria ser abraçado, amado... Fui sendo privado do teu amor e da possibilidade de te amar. Não me permitias te amar! Rejeitavas o meu toque, o contato, o carinho, fugias sempre! Afastamento, desamor... Ofensas, mais ofensas, agressividade sem motivo e sem nexo... Falta do abraço, dos beijos, camas e quartos separados, como se fosse natural... Negastes o amor e as vontades que me dizias faltar, e que agora te sobram... Tudo tem uma relação de causa e efeito e deixamos acontecer... Aconteceu! Em suma: não me amei o bastante para ser amado por ti. Agora... Nada mais tenho para mostrar ou dizer... Acabou! Tudo aquilo que queria dizer e mostrar, disse e mostrei. Não quisestes escutar, nada tocou o teu coração, nada. Buscastes os teus caminhos, os desejados de muitos anos ... Vou agora em busca dos meus, pois nada e ninguém pode reparar uma relação acabada... Acabou... Não sou mais o homem que fui um dia para ti, aquele que dizias amar.... Nunca mais serás para mim a mulher que um dia amei. Se me procurares, não me encontrarás e se eu te olhar algum dia, não te reconhecerei. Não digo que nada mais sinta por ti. Não seria verdade se afirmasse isso. Ao contrário de ti, ainda sinto! Sou um sujeito sensível e isto se voltou contra mim e quase me destruiu... Me mostrei por inteiro e me tornei o meu pior inimigo! Lutei contra a loucura e aprendi a duras penas a ser cuidadoso comigo e a me maltratar menos, mas ainda não consigo sorrir. Acontecimentos marcam, estes fatos da vida me marcaram e a pessoa que mais amei em toda a minha vida me marcou profundamente, mas se foi... Para sempre! Não há resgate possível para esta perda e isto não é algo com que eu possa lidar superficialmente, como qualquer coisa sem importância. Não se trata de trocar o pneu furado e agora inútil, achar um sobressalente e seguir a vida despreocupadamente... Pessoas práticas fazem assim. Talvez possas fazer isto com tranquilidade. És pratica e objetiva. Eu não sou... Não consigo ser assim... Sei que em algum tempo e em algum momento futuro, farei e terei o que é melhor para mim. Não sinto mais aquele antigo amor por ti e me é difícil admitir que não te quero mais, mas o que vi é irreversível e eu vi, eu te vi... Queimastes as pontes por onde passamos e não há retorno! Não sei o que restou de tudo isso, mas é impossível para mim te amar como antes ... E como te amei....Não podes avaliar isto e nunca mais poderás... Tenho sentimentos ambivalentes quanto ao que ocorreu, e é natural que assim seja, pois é uma bagagem pesada e cruel esta que carreguei por tanto tempo, esperando mudanças que nunca aconteceram... Não quero mais amar uma mentira... Devagar, me livro do que é desnecessário e retorno aos poucos a vida, tentando me curar dos amores destrutivos e inúteis. Não me importa mais ter sido considerado o único culpado por tudo o que aconteceu... Não importa mais... Que cada um examine a sua consciência e julgue a sua conduta nestes vinte e cinco anos de convívio, se achar necessário, pois não existe só uma verdade... É engraçado como depositamos tanta confiança e tanto sentimento nas pessoas. Em pessoas que achávamos conhecer, mas que no fim, se mostraram iguais a tantas outras. E por esperar demais, sonhar demais, criar expectativas demais, me decepcionei... Enfim... Tomastes o rumo que eu imaginava que irias tomar... Acabou... Saio agora lentamente da letargia... É difícil, tenho medos e incertezas, mas tento o encontro que não tive... O que é meu, a vida não vai me subtrair e não vou me contentar mais com migalhas, viver de restos ou trocar seis por meia dúzia apenas para satisfazer uma ilusão de felicidade! Enfim, e depois de tudo, aprendi que tenho que amar a quem me ama.... Adeus...

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Debaixo d'água, protegido, salvo, fora de perigo

Aliviado, sem perdão e sem pecado

Sem fome, sem frio, sem medo, sem vontade de voltar

Mas tinha que respirar" ...