Há coisas que eu não consigo pôr em meus poemas

Há coisas que não consigo pôr em meus poemas, talvez por falta de habilidade com as palavras ou por que elas não sejam pra pôr em poemas. Mas tanto faz. Essa manhã acordei com o sol queimando meu rosto irritantemente, já se passavam das dez e eu acabei desistindo de ficar mais um pouco na cama. Ao me levantar já fui procurar alguma roupa limpa no varal na varanda do meu apartamento – fui sem roupa mesmo – e peguei a primeira que achei. Decidi ir comer algo numa padaria que fica a três quarteirões da minha casa e ao passar pela sala fiquei meio triste ao ver que a garota que eu havia dormido ontem foi embora sem nem deixar um bilhetinho idiota – geralmente quem faz esse tipo de grosseria são homens, mas eu nunca fiz isso –. Tinha a conhecido na fila do cinema São Luiz, nem assistimos o filme que estava em cartaz, ficamos andando um tempo juntos e depois partimos para minha casa. De qualquer forma, tratei logo de tocar o foda-se para aquela sensação e ir tomar meu café da manhã.

Ao chegar na padaria, pedi um café e uns dois baurus para o seu Manuel – que coisa clichê o dono da padaria ter o nome de Manuel hein? Mas esse não era português nem nada, na verdade ele veio de cabo verde para cá um tempo atrás – e ele me atendeu rapidamente como sempre. Seu Manuel é um cara muito gente boa, dá pra se ter certeza disso só olhando pro sujeito. Trabalha de Domingo a Domingo desde que eu comecei a ir lá regularmente uns dois anos atrás. De qualquer modo, eu estava deprimido por nem lembrar direito como era o rosto da garota, muito menos o nome. Talvez fosse Isabel ou Isabeli. Não importa. Olhando os rostos das mulheres ao redor da mesinha em que eu estava, fiquei pensando se ela não poderia ser alguma delas. Se ela estivesse ali me sentiria bem se ela viesse falar comigo, ou no mínimo me desse um sorriso qualquer. Não que eu seja um cara inseguro nem nada, mas eu tinha gostado da menina; sempre gosto das mulheres que eu durmo. Puxei um guardanapo e quis escrever um poeminha para me aliviar daquela sensação idiota, mas nenhuma palavra saía da minha caneta. Nem um daqueles poemas metidos a besta cheios de rimas baratas e palavras difíceis que aparecem para mascarar a falta de poesia do autor apareceram no guardanapo. Há coisas que eu não consigo pôr em meus poemas. Desisto disso e pago ao seu Manuel. Ao sair achei que uma garota de cabelos vermelhos, como a que dormi ontem, me soltou um sorriso. Mas não tenho certeza e parti para casa escutando um sonzinho meio triste, Dark Globe do Syd Barrett. Sou viciado nesses dois únicos álbuns solos do Syd, The Madcap laughs e o Barrett. Não sei bem o porquê mas acho que esse cara seria um grande amigo meu se eu tivesse o conhecido. Admiração pelo trabalho talvez. Dane-se.

Cheguei em casa e tentei assistir um pouco de televisão. Nunca consigo passar mais de dez minutos vendo TV sem querer me matar, por isso, desliguei logo aquela merda. Pego uma garrafa de cerveja na geladeira e me deitei na rede que fica na varanda. Essa rede eu ganhei de presente da minha mãe no meu aniversário ano passado, pode parecer um presente ruim mas para mim foi a melhor coisa que já ganhei. Fiquei olhando pro teto um tempão sem pensar em nada, e isso fez muito me fez muito bem. Comecei a planejar o que faria nessa tarde de sábado, de decidi ir ao cinema ver algum filme idiota. Depois de muito tempo deitado, decido me levantar e sair de vez daquele marasmo. No caminho me ocorreu que talvez a garota também tivesse pensado como eu e fosse ir ao São Luiz também, então fui para um cinemas desses cinemas de grande rede e acabei assistindo um Blockbuster bem ruim por não ter muita opção. O filme era tipicamente feito para atrair a grande massa – não que isso seja ruim, eu mesmo gosto muito de assisti-los para me distrair, mas o problema é quando até a ação do filme é ruim. Fica insuportável – cheio de explosões e caras correndo. Quando ele acabou fui a um bar bem mequetrefe tomar uma cerveja e comer um salgado feito há uma semana. Comecei a pensar e percebi que não mais queria me encontrar com a garota de ontem. Ela havia sido só mais uma dessas paixões instantâneas que a gente tem quando acaba de ter uma transa, isso acontece o tempo todo comigo e sei que a sensação de vazio na minha vida só dura algumas horas. Então, ainda no bar, puxo um guardanapo e escrevo bem em cima dele “Coisas que não consigo por num poema” e abaixo disso, como eu já previa, saí um dos poemas mais ruins que já escrevi em toda minha vida. Mas o título ficou legalzinho até e isso me deixou feliz.