Amnésia Consciente - Uma vida a cada 20 segundos

Que loucura imaginar uma vida sem memória. É ter a sensação de que nunca existi. Eu, que sou uma pensadora por natureza, que faço das minhas lembranças um artifício para existir, criar e acertar, quase enlouqueci ao me pôr no lugar de uma mente sem lembranças. Como boa curiosa que sou, tentei de todas as formas compreender a amnésia mesmo sem nunca ter tido alguém tão próximo com essa doença. Por uma ”coincidência” do destino, amnésia era justamente o tema de um dos programas de Tv que eu acompanhava assiduamente. Naquele dia, conheci a história de Henry Molaison - O homem sem lembranças -. Aos sete anos de idade, Henry foi atropelado por uma bicicleta, fazendo-o bater violentamente a cabeça no chão. Após alguns minutos do ocorrido, Henry levou a sua vida de forma, aparentemente, normal, mas foi só aparentemente mesmo. Três anos depois, várias convulsões preocuparam os pais de Henry, que inicialmente não associaram as convulsões com o acidente de três anos antes. Aos 16 anos Henry teve sua primeira convulsão realmente séria o que viabilizou para que o mesmo sofresse desse mal com mais frequência, deixando seus pais ainda mais preocupados. Anos depois, Henry foi submetido à uma cirurgia de risco que cessou as convulsões, mas que, entretanto, aniquilou a capacidade de H.M. gravar novas memórias, o que foi transformando as remanescentes, ao longo das décadas seguintes, num conjunto cada vez menor de lembranças remotas e desbotadas. Henry foi diagnosticado anos mais tarde com amnésia anterógrada, que o faz com que ele não consiga se lembrar nem mesmo do que aconteceu na véspera. Ironicamente a história de Henry despertou não só a minha curiosidade, mas a de uma cientista que o analisou a fim de desvendar os mistérios das não lembranças de Henry, ficando tão fascinada quanto eu. Ela notou que Hanry acabava retendo suas lembranças com pouco menos de 20 segundos depois de qualquer acontecimento, de qualquer frase dita para ele e etc. Quando imaginei que não tinha como ficar mais impressionada com aquela história, me senti extasiada quando soube que, por ter que ir ao hospital muitas vezes, Hanry tomou uma certa antipatia por uma enfermeira, que era a mesma que o atendia todos os dias, e todos os dias em que ela ia lhe atender ele cobria o rosto e dizia que não gostava dela. Mas como? Se ele não conseguia se lembrar de seus últimos 20 segundos, como ele se lembraria que não gostava da pobre enfermeira? Antes que alguém bem mais esclarecido que eu me explicasse, eu já tinha certeza que, os rostos, as datas e os nomes podem ser esquecidos, menos o sentimento, o gostar ou não gostar sempre fica, em algum lugar de nossos corpos, ele fica. Foi onde percebi que a amnésia despertava em mim (até então como telespectadora) uma dualidade de sentimentos: Se em um momento eu via a amnésia como algo triste demais para entender, passei a achar fascinante a ideia de viver apenas o presente e sentir sempre o gosto maravilhoso de uma primeira vez. Senti vontade de viver isso, não tão tragicamente como H.M, mas, quem sabe se eu e você pudéssemos provar um tipo de ''amnésia consciente'', quem sabe daríamos valor ao que importa de verdade, viver cada momento como se fosse os nossos últimos 20 segundos de vida. É trágico perder justamente aquilo que nos faz sentir vivos (as nossas lembranças), viver 20 segundos apenas de vida. Mas se pararmos pra pensar, será que vivendo 30, 40, 50 anos teremos tantas boas lembranças assim? Isso sim seria uma tragédia, não tê-las após tantos anos (sem que se tenha nenhum tipo de amnésia). Será que vivemos com tanta vontade como quem tem apenas 20 segundos de vida? Não importa muito de que maneira você vai lembrar, importa o que você vai lembrar, as coisas boas, os sentimentos bons ou ruins. Queira eu que nos meus ''últimos'' 20 segundos de vida eu tenha a mesma audácia (que jamais tive em quase 20 anos de existência) que teve H.M. Quero ter a audácia de dizer minhas verdades pra quem eu não gosto, como H.M fez e fazia sempre, com a pobre enfermeira.

Quézia Meira
Enviado por Quézia Meira em 16/08/2015
Reeditado em 17/01/2016
Código do texto: T5348157
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