Psi
 
Antes de morrer o Dr Jung passou por várias situações perigosas sem dar por isso. Conheceu psicopatas, antropófagos, Ladies Macbeth e assassinos em série cujo fetiche consistia em assassiná-lo de todas as maneiras, todos os dias. Aliás esse paciente de que fala esta crônica lamentou muito a sua morte. Achou um desperdício, um homem tão gostoso de matar, morrer tolamente em uma queda de escada.

O referido paciente era um rapaz muito culto e polido que se aproximara do Dr Jung se queixando de transtorno de personalidade. Psicopata fino, isso que ele era. Estudara o médico por um bom tempo, como ouvinte das aulas de psiquiatria., seus gestos, seus hábitos, nuances da voz.
Adorava as suas aulas. Uma parte de si aprendia todo o tema com brilhantismo e a outra, a assassina, deleitava-se em comer Dr Jung com os olhos.
"Que homem!", pensava ele, sentado na primeira fila. Um metro e noventa, braços fortes e peludos, aquele relógio masculino a deixá-lo louco. Subia o olhar dos braços ao pescoço, o pequeno crucifixo de ouro brilhando sob a camisa entreaberta onde podia-se ver, deliciosamente, a promessa de um peito forte e peludo.
Passeou a língua pelos lábios, salivando. E começou a planejar.

Ao anoitecer, quando chegou ao seu apartamento sobriamente decorado e verificou que a geladeira estava vazia não se alterou, afinal ele não comia qualquer coisa. Abriu uma garrafa de Bordeaux e serviu-se de um cálice, piscando o olho para o crânio em cima da mesa do escritório.

Todo estudante de medicina possuía um crânio humano mas aquele era especial, pertencera a um aluno da Universidade que ele conhecera há uns tempos atrás.

O canibal adorava a Universidade, seu território de caça. Frequentava disciplinas livres de diversos cursos, psicologia, filosofia, gastronomia.
Conheceu o rapaz, pesquisou seu perfil na internet, obteve informações por outros alunos com fingido interesse homossexual e dele se aproximou.
O jovem levava vida dupla, para a sociedade era o noivo de uma linda moça e em secreto mantinha relações íntimas com professores.
Segurou o crânio à maneira de Hamlet na famosa cena de Shakespeare.
Refez em pensamento o rosto bonito do jovem, pele morena, olhos cor de mel.
Matara-o mais para lavar a honra da estudante de História que era linda e um dia lhe explicara a matéria que ele fingira não compreender para poder se aproximar dela, sentir seu cheiro, tocar sua pele.

"Aos traidores a morte", era o lema dele.

Primeiro fez amizade com o jovem pelo Facebook. Era belo e sabia disso. Foi aceito de imediato.
Conversaram online, marcaram um encontro, ele falou do seu curso e traçou em vinte minutos o perfil do rapazinho. No segundo encontro ele jogou a isca.

Foi fácil. Levou-o em seu Range Rover a uma praia deserta para manterem relações ouvindo o rugido selvagem do mar.
Chegando ao destino, acarinhou o rosto do estudante, beijou os seus lábios, seus olhos e aplicou-lhe um tranquilizante na dose certa para que ficasse consciente mas não desse trabalho.
Arrastou o amigo até à beira do mar, decapitou-o, esperou o sangue escorrer por completo da cabeça e guardou-a em um saco de lixo para esconder no porta-malas. Não; levaria-a no banco do passageiro. Seria mais divertido.

"O Mar Vermelho!", ele riu da analogia ao ver as águas borbulhantes, tingidas de sangue.
Colocou o corpo no barco e lançou-o a boa distância da Costa, tendo antes o cuidado de despi-lo e amputar-lhe os dedos, que guardou em outro saco para posterior incineração. Jogou a faca ao mar, deixou o barco à deriva e voltou nadando à praia.
Preparou maternalmente a cabeça durante dias, maceração em hipoclorito de sódio, desengorduramento, clareamento. Ficou uma beleza.

"Em breve terás companhia, Mauricinho!" E ergueu um brinde para o crânio, ligando em seguida o notebook para comprar um freezer grande.

As consultas com Dr Jung eram quinzenais e ficavam, psiquiatra e psicopata, se estudando por meia hora.
Procurava um meio de entrar em sua vida sem levantar suspeitas, levá-lo consigo para um passeio sem volta. Mas estava difícil. Dr Jung não era homossexual. Não se interessava por orgias com mulheres, nem jogos, caça, nada. Dr Jung era uma esfinge. Ficava a observá-lo com olhos inexpugnáveis, a mão sobre os lábios. Isso o deixava ainda mais desejoso de pôr as suas mãos em cima dele.
Era preciso ter muito cuidado, um aluno pode sumir sem que se investigue a fundo seu desaparecimento mas um professor não.

E usava todo o seu intelecto na busca por ardis.

Naquele manhã ele chegou à Faculdade e viu os colegas nervosos. Sentiu que havia algo errado. Alunas choravam, o que acontecera?
Aproximou-se de uma jovem que nutria por ele uma paixão secreta e perguntou o que estava acontecendo.
- Você não soube? - Perguntou a moça, de olhos arregalados. O Dr Jung faleceu, caiu ontem à noite da escada no hospital.
- Merda! - Ele disse e depois pediu desculpas à moça com um belo sorriso. - Estava pensando em pedir para ele ser meu orientador. Lamentável mesmo.

E disse consigo: "que desperdício".


 
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 16/08/2015
Reeditado em 16/08/2015
Código do texto: T5348287
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