VOANDO

VOANDO

(abril de 1981)

Não havia tempo para mais nada. Todos os passageiros já caminhavam para o avião estacionado no pátio do aeroporto, inclusive eu, que portava, além da bagagem de mão, o meu indisfarçável medo de viagens aéreas. Medo não, melhor definindo, era pânico o que eu sentia naquele grave momento. Para falar a verdade, invadia-me uma sensação de calafrio, e o suor que escoria de todos os meus poros, denunciava a minha vexatória situação.

Da sacada da estação de passageiros mãos e lenços acenavam em frenética despedida. Antes de atingir a escada que levava a bordo, voltei a cabeça e fixei o olhar na sacada tentando identificar naquela profusão de mãos as dos meus filhos. A distância era razoável. O sol a pino não me permitia distinguí-los entre as outras pessoas. Mesmo assim, sabendo que à sombra, protegidos dos raios solares, eles podiam me ver perfeitamente, acenei um adeus indefinido, esperando satisfazer-lhes as expectativas.

Seria uma viagem rápida. Dois ou três dias depois, no máximo, e já estaria retornando. Essa certeza era um lenitivo para quem como eu viajava apenas quando era absolutamente necessário.

Subi a escada a passos lentos, como se tentasse infantilmente retardar o momento da partida. À porta do avião uma comissária de bordo, trajando um impecável uniforme azul, deu-me as boas vindas emolduradas por um largo sorriso.

Entrei, localizei o meu lugar na metade do avião, próximo da saída de emergência, dirigi-me até ali, sentei e apertei o cinto de segurança obedecendo às instruções recebidas. O medo que se apoderara de mim não me dava chance para pensar em algo concreto, algo coerente.

Os motores foram acelerados. O avião deslocou-se suavemente pelo pátio do aeroporto até alcançar a pista de decolagem. Posicionado, o avião começou a correr aumentando sua velocidade a cada segundo, depois subiu sustentado pela invisível mão da inteligência do homem ali representada pelos jatos (gases quentes) que saíam das turbinas.

Em minhas veias e artérias o meu sangue também circulava de maneira mais rápida que a habitual, impulsionado pelas desenfreadas batidas do meu coração ainda bastante agitado. Para mim todas as decolagens são sempre da mesma maneira. Não consigo habituar-me a elas, apesar de ter participado de tantas nos últimos tempos.

Após alguns minutos, mais calmo, olhei pela janela. Aos meus olhos a cidade se apresentava como se fosse uma miniatura, um brinquedo armado no quarto de uma criança. Não estaria eu naquele momento agindo como uma criança?

Vista do alto, a cidade parecia muito pacata, muito tranqüila. Parecia realmente um brinquedo. Pena que não fosse esta a realidade. Ante essa cena minha mente também alçou seu vôo.

Naquele formigueiro humano, bem sabia, não havia aquela paz, aquela aparente tranqüilidade. Ali, diariamente, ocorriam vários crimes. Por motivos fúteis preciosas vidas humanas eram ceifadas, até mesmo sob encomenda. O trânsito louco, com uma banalidade impressionante, também matava ou mutilava as pessoas. Quanta dor, quanto egoísmo, quanta desgraça, quanta indiferença e quantas outras coisas não escondia aquela pequena parte do mundo que, à distância, aparentava extrema tranqüilidade.

Logo a cidade ficou para trás e houve alteração da paisagem. Pude perceber, então, que também as montanhas, os rios, as florestas perdiam suas dimensões pela minha incapacidade de percepção da realidade em função da distância.

Será que não temos agido assim? Pensei, olhando as coisas à distância, não emitimos opiniões, formulamos conceitos sobre fatos e pessoas, apenas pelas aparências, sem aproximarmo-nos o bastante para conhecer a realidade de cada um?

E se todos resolvêssemos nos aproximar mais uns dos outros talvez agíssemos de forma diferente nas nossas relações cotidianas. Quem sabe, conhecendo efetivamente o nosso próximo, poderíamos evitar fúteis conflitos...

- Apertem os cintos, pousaremos em instante...

A suave voz da aeromoça despertou-me trazendo-me de volta a realidade daquele vôo. Pela janela, enquanto o avião executava os necessários procedimentos que antecedem o pouso, pude ver a cidade crescendo aos meus olhos, assumindo a sua forma concreta com todas as suas diferenças e indiferenças reais.

O avião finalmente pousou, estacionou para o desembarque dos passageiros. Graças a Deus, pensei, já em terra firme, mas ainda havia a viagem de volta...