O Casamento
 
Era um solteirão de seus quarenta e tantos anos mas era doido pra ter uma mulherzinha, ar' maria, devia de ser coisa boa demais da conta ter um chamego pra toda a vida, umas delicadezas na casa de rapaz velho, pegar no sono cheirando um cangote com parecença de flor...
Mas não se lamentava não que sozinho na vida não era, tinha os parentes que lhe queriam muito bem e todo fim de semana ia em visita à casa de um deles.

A família preferida era a de uma prima muito sua querida, seu sangue, mesmo que serem irmãos. Chegava pela hora do almoço, puxava um tamborete e conversava com a prima, a relembrar a infância, os folguedos de menino mimado. Quando o de-comer ficava pronto ele se levantava em gordices de gato capado e sentava-se à mesa, sorridente, para apreciar as iguarias da prima que aliás cozinhava muito bem.
Só o marido dela vivia de mau humor e mudava a faixa da rádio quando estava a ouvir o seu programa predileto. Então tinha que ir, de mãos engorduradas, sintonizar de volta no "A Hora da Meidia".

O cunhado brigava mas era o jeito dele mesmo, muito sistemático, queria muito bem a todos menos à pretinha que fazia questão de demonstrar o desapreço pela sua pessoa recusando-se inclusive a apertar-lhe a mão. Ô negrinha nojenta. Aquilo não ia encontrar na vida quem a quisesse, besta daquele jeito. Já a branquinha era um amor. Não fosse ainda tão criança ele a pediria em casamento.
Depois do almoço, banhado, comido e café tomado, se espichava na rede e dormitava até à hora de o cunhado descer pra rua.

As horas em que a solidão doía mais era quando tomava uma pinga no Beco da Fumaça enquanto as raparigas adulavam os velhos de olho no aposento deles. Fosse por isso ele também era aposentado por ter dado um jeito na coluna mas não queria mulher à toa, sua santa mãezinha lhe recomendara  que só se casasse com moça direita. Pagava então a conta e ia pra casa, escutar Altemar Dutra e sonhar com o amor que haveria de chegar para ele também.

Quando foi pelo Natal ele soube que um primo seu tinha chegado de São Paulo. Queria tanto bem àquele primo! Foi decretadinho visitar o turista.

Casa de pobre do interior vira uma festa quando chega alguém de São Paulo. Sim, porque o destino do cearense é São Paulo. Todo menino sonha em ir para lá enricar. Ora, se os conhecidos chegavam com aquela importância toda, recebidos como reis, vestidos em roupas de marca e a distribuir presentes, o tal do Sun Paula só podia ser terra boa.

Apois. Quando o vitalino chegou o primo foi logo abrindo os braços, "fulanoa! Vocêa por aquia? Meu, a fulana de tal tá lá em Sampa, só lhe êssspêrando pra casar com vocêa!"

O sentimental sentiu o coração ficar pequenininho dentro do peito e depois pular feito pipoca estourando de alegria. Conhecia a moça, era nova, meio feia mas direita, afinal ele queria se casar ou tirar retrato?

E por toda aquela semana ninguém foi mais feliz que o nosso herói. O seu coração era um ninho em galho de flamboyant onde gorjeavam passarinhos em negócios de amor. Vendeu a casa a preço de banana, distribuiu os móveis entre os vizinhos generosamente, em modos de presente de casamento. Arrumou a mala, comprou a passagem na rodoviária e partiu rumo à cidade onde sua noiva o esperava.
Que linda viagem! Nem sentiu os três dias sem tomar banho, chegou leve como uma pluma e foi direto ver a moça.

Ao chegar, foi polidamente recebido pelos parentes que não esperavam semelhante visita. A moça foi gentil, serviu café, fez sala.para ele mas, estranhamente, não houve rompantes de amor, o que levou-o a puxar assunto:

- Fulana, recebi o recado do primo.
- Que primo? Que recado?
- O fulano de tal, lá da Barriguda. Disse que tu tava só me esperando pra gente casar.

(...)

- Olhe, meu amigo, sinto muito lhe informar que eu nunca tive nem quero ter o pesadelo de me casar com você. Esse seu primo inventou essa estória e você caiu, seu abestado.

Aí baixou a Maysa no coração do enamorado, o mundo dele caiu. Nem quis ficar para o almoço, pegou a mala e ficou zanzando pela cidade, atoleimado em sua primeira desilusão amorosa.

Amargou a solteirice ainda por uns anos, até arrumar uma costelinha só sua. Mandou botar dentes na boca da donzela, espichou o cabelo dela com Alisabel, comprou uns vestidinhos novos. Ficou apresentável, a bichinha. Casou no papel, na Igreja e no ninho de amor.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 20/08/2015
Código do texto: T5353502
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