Ursinho de pelúcia.

Suponho que, nas mãos de uma criança pequena, um ursinho de pelúcia seja algo mágico, profundamente encantado. Risonho, puro, gentil, mas carregando seriedade e presença. Tudo ao mesmo tempo. Um amigo verdadeiro, calado e pronto – sempre pronto – para um abraço, um carinho, uma fala meiga ou até um desabafo depois de alguma das milhares de contrariedades que virão, inevitavelmente.

O meu filho, quando garoto, gostava de calçar meias amarelas no seu ursinho Puff, aquele que ficou redondo de comer. Era um amigo para todas as horas, companheiro de passeios e algumas brincadeiras.

Nos meus tempos de garota, o meu urso foi-me dado pela tia Norma, a madrinha mais especialmente bela do planeta em toda a história. Num aniversário de seis ou sete anos, na simplicidade do nosso apartamento no Cambuci. Naquela época, o brinquedo não tinha maleabilidade, um pouco áspero o seu pelo... como seria áspera a vida nas décadas seguintes. Um prenúncio, quem sabe, de tantos atropelos que eu viria a passar. Eu tinha um pouco de vergonha de ter um urso de pelúcia. Naquele tempo era moralmente correto que fôssemos adultos desde sempre. Então, eu acabava ficando numa situação desconfortável em me alegrar diante da singeleza do animalzinho em meio à longa e indescritível tristeza de ter um pai sempre doente, exaurido, de pijama, tomando sopa, chá de erva doce e mingau de maisena. Como eu poderia ser feliz, inteira, viver a infância em plenitude em meio ao medo de uma separação dolorosa que poderia vir a qualquer momento?

Mas eu queria me apaixonar pelo ursinho e não ter nenhuma vergonha disso. Eu não queria ser vista como boba ao abraçar o animalzinho, mas, pelo constrangimento, nem nome lhe dei. Não me lembro que fim levou.

Há dias o meu marido, companheiro de jornada, de alma e de sonhos, me presenteou com um urso lindo, agarrado ao seu pote de mel. Não tive nenhuma vergonha de ganhar o amigo tardio assim tão perto da sexta década de encarnação. Antes: fiquei muito feliz pela compreensão, pela amizade e empatia.

Também me sinto à vontade de lhe balançar a cabeça, colocá-lo sobre o meu travesseiro, pegá-lo com cuidado e, até, conversar um pouco com ele sobre coisas da vida. Essa vida, de tantas andanças, alegrias e de tantas perdas! Tenho um uso e não me sinto boba e nem fora de lugar.

E comecei a perceber que, para se ter uma infância suave, sem etapas queimadas, o urso nos serve para encantar e amaciar a alma, para dissipar o medo, para se entender o que é o companheirismo verdadeiro em qualquer momento, seja doce ou amargo. Também consegui compreender que o ilustre animalzinho consegue apontar o caminho para ser inteira, se conhecer o caminho da amizade sincera, cristalina, pura. A todo momento ele está ali, ao lado do menino ou da menina, com notas altas ou baixas na escola, tendo ou não ficado de castigo, tendo ou não deixado alguma coisa a desejar.

E hoje leio no jornal a notícia mais infame, mais sórdida e mais carregada de ódio à condição humana – o tiro mortal na esperança da construção de um tempo com alguma sanidade e moralidade. Um menino iraquiano de seis anos de idade sendo encorajado pelo pai a degolar o seu ursinho de pelúcia. Na foto, atrás do garoto, as bandeiras pretas anunciando o mentor desse projeto de crueldade: Estado Islâmico. As lágrimas, tremendamente ardentes e copiosas, não me deixaram ver sequer o rosto do pequeno. A faca na mão do menino estimulado a sorrir para sair bem na foto! O ursinho, seu possível único companheiro, seu amigo carregado de cálida ternura , de olhar cândido e perene, seu confidente para todos os momentos, cuja amizade muda e presente lhe faria ser homem com alguma compaixão e sem nenhuma vergonha de poder abraçar calorosamente alguém, sendo degolado em nome da pior de todas as doenças: o egoísmo.

Dias mergulhados no fel da existência ainda estão em construção.

Que o desejo de paz ainda permaneça vivo nas nossas almas, apesar de tudo.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 25/08/2015
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