Tempos de infância

Sempre peguei o lápis de um jeito incomum, como quem pega um pincel,com quatro dedos pouco acima da haste apontada, assim como quem vai pintar ao invés de escrever. Tentaram me ensinar a forma certa, sem sucesso, e penso que essas coisas não se devam corrigir, é de cada um. A minha caligrafia é muito boa, sem falsa modéstia, e diferente também, escrevendo rápido, com as palavras flutuando entre as linhas, nos espaços, que pra isso foram feitos, para conter, e não para apoiar.

Sou destro, e não sei escrever com a esquerda, mas consigo desenhar com as duas mãos ,sem grandes dificuldades, no que concluo que escrever é totalmente diferente de desenhar, então me vem a cabeça, a forma de segurar o lápis, e penso que escrevo como quem desenha.

No primeiro ano, a Dona Lili só permitia o uso do lápis, e sonhávamos em escrever à tinta. As classes eram só de meninos, as "garotas" ficavam em outras salas, o que era uma besteira, pois no recreio, na vizinhança, em todas as partes, estávamos juntos, e nos conhecíamos, as mães se falavam na rua, ou na feira.

Quando a minha mãe me mandava a farmácia, o farmacêutico que tinha duas meninas, já dava aquele risinho maroto, e mandava as filhas me atenderem, espiando de rabo de olho, aquele papinho de criança, sobre escola e coisas da TV, então lhe entregava o papel do pedido. Acho que o pai conferia primeiro, porque nunca chegou coisa errada em casa.

Havíamos acabado de chegar ao Brasil, e eu dividia a maleta com o meu irmão, uma velha pasta de zíper, que havia pertencido a um cantor de boleros do Cassino de Sevilha, chamado Alfredo, amigo do meu pai. Lá iam as cartilhas , os cadernos, e os lanches. Nossos estojos eram pequenos, de lata, "Dois martelos", como se dizia na época, símbolo da "J.Faber", e só no ano seguinte é que tivemos os materiais separados. Lápis de cor, só com doze cores, as outras eram luxo.

Não pegávamos a merenda, pois naquela época era mingau e eu tinha nojo, pois via aqueles pequenos comendo nos pratos de plástico, sempre com o nariz escorrendo, e parecia que tudo se misturava, o muco e o mingau. Uma comida branca e rala, que devia ser aveia, sei lá , tudo era uma meleca só. Muitas crianças eram da "Caixa escolar", e dependiam da ajuda do governo, das instituições e da própria caixa escolar, dos pais e mestres. Só não éramos da Caixa por misericórdia, por um esforço extremo dos meus pais, pois éramos bem pobres e o meu pai se matava de trabalhar.

As indústrias "Matarazzo" , que reinavam soberana nos anos sessenta, doavam lápis e cadernos, com propaganda da Maizena, com o hino nacional impresso na contracapa, lápis pintados de amarelo, eram as primeiras propagandas diretas, e todos ganhavam.

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Dou uma parada por aqui, pois ainda há muita coisa por dizer...

Aragón Guerrero
Enviado por Aragón Guerrero em 31/08/2015
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