No que eu sou boa?

Quando ainda uma menina, eu admirava o mundo. Admirava as imensas áreas cobertas por jardins e as pessoas, que não eram tão grandes quanto os lugares - pelo contrário, elas cabiam neles -, mas, mesmo assim, eram maiores do que eu. Me lembro de empenhar certo esforço para olhar seus rostos tão distantes, tão no alto. Às vezes, elas se abaixavam. Aí ficava um pouco mais fácil para mim. Então, eu olhava para aqueles seres e desprendia a minha imaginação, que me tomava com um estranho nevoeiro de perguntas, como "quem é você?", "por que você é tão alto e eu tão pequena?" ou "como você veio ao mundo?". Uma delas, e a que eu mais gastava energia tentando descobrir, era: no que eles eram bons? No momento em que eu os perguntava, eu escutava diversas respostas. Porém, a maioria delas havia algo em comum. Ao que tudo indicava, ser bom em alguma coisa para os adultos se resumia em apenas uma palavra, que não era um verbo. "Médico", um dizia, "Mecânico", outro respondia. "Advogada", minha tia uma vez me falou. Eu não sabia o que aquilo tudo queria dizer.

Com o passar extraordinário dos anos, as minhas perguntas foram sendo substituídas por respostas. Agora, eu precisava saber responder a perguntas que eu não sabia para o que serviam. De qualquer forma, eu as fazia. Até que, um certo dia, quando já menina púbere, eu fui indagada por uma criança sobre a mesma questão que me assolara na infância: no que eu era boa? No que eu sou boa? Decidi que eu iria deixá-la esperando pela minha resposta antes de qualquer dizer atropelado e não pensado. Pus-me a pensar. Refleti sobre todas as coisas que eu já fiz e por quantas delas as pessoas me elogiavam. Depois, refleti sobre todas as coisas que eu já fiz e quantas delas eu gostava. Conclui, então, que as coisas em que eu era boa poderiam ser classificadas como sendo as que eu gostava de fazer e as coisas em que eu era muito boa poderiam ser classificadas como sendo as que eu amava fazer. E acreditava eu que a pergunta dela fora, na verdade: no que você é muito boa?

Eu sou boa em muitas coisas, até hoje. Sou boa em fazer brigadeiro, em levar meu cachorro para passear, em português e biologia, em dizer a verdade sem magoar, em dançar tango, em fazer massagem, em contar piadas e outras infinidades de coisas. Há também as coisas em que não sou boa, não se admire. Mas não é disso que se trata este texto. Portanto, deixe eu deliciar-me com minha nobre modéstia. Já as coisas em que sou muito boa, até hoje, são em absoluta menor quantidade. Resolvi que, se havia algo em que eu era muito boa, esse deveria ser o meu dom. E, mais do que isso, algo que eu amasse fazer acima de todas as outras coisas. Essa era e é, com certeza, escrever. Sabe, posso não ser muito boa quando o assunto é amor, mas eu sei perfeitamente escrever sobre ele. E sobre cada centímetro do mundo. Posso fazer com que as palavras, que me abraçam quando me sinto desamparada, pulem para fora do papel e se tornem vida. Há, ainda, as coisas que eu amo e que não posso julgar no momento se sou muito boa. Estudar teatro é uma delas. Isso faz parte de um processo, de uma progressão. E eu tenho tanto a aprender.

Já com a resposta pronta, me voltei à criança que havia feito a pergunta para mim. Quando respondi, ela olhou para mim, com a cabeça inclinada para cima, e deu um sorriso de satisfação. Presumo ter saciado a fome de uma resposta certa que ela tanto precisava. Aquela pergunta me fez lembrar a minha infância e também a obra "O pequeno príncipe", que explora muito esse lado questionador e curioso das crianças e o quanto é importante carregar isso conosco até o fim de nossas vidas. Com isso, pude ter a convicção de que ser bom ou muito bom em algo, não tem a ver tanto com a profissão. Pois ser médico é diferente de gostar de cuidar de pessoas e ser pintor não é exatamente gostar de pintar. Depende de quem os faz. Mas o mais importante, dentre todas as habilidades existentes nesse mundo admirado que hoje para mim já não é mais tão grande, é ser muito bom em ser feliz.