UM AMIGO VIRA-LATA

Procuro desesperadamente um amigo! Não precisa pedigree, cartão de vacinas nem coleira. Prefiro que seja um “vira-lata” bom vivant e pulguento como eu. Andaremos pelas ruas de pedra cantando odes bávaras à noite selvagem que zomba de nosso destino incerto.

Procuro um amigo que uive para a lua, essa mulher esnobe que nos encanta e repele. Que ele não tema a chuva, não se desespere no frio e não blasfeme no calor. Que ele compreenda que a vida é uma estrada empoeirada, uma dor em cada curva, um mistério em cada encruzilhada.

Procuro um amigo que possa contar histórias de amores frustrados, de mulheres que partiram sem despedida, algo que nos faça chorar; algo que nos faça sentir homens, porém, humanos. Mas, isso não basta, ele precisa contar histórias engraçadas, algo que nos faça sentir plenos, como meninos brincando em dia de festa.

Procuro um amigo que também procure um amigo com o desespero que a emergência abraça. Que ele saiba assoviar quando a fome bater, e dividir em silêncio quando a fartura chegar.

Procuro um amigo que conte piadas em meu velório, que narre com maestria de menestrel medieval as minhas façanhas, meus tropeços e falhas grosseiras. Que ele seja sereno ao ver meu caixão descer à cova e, sem ressentimentos, agradeça a Deus pela amizade.

Que na solidão ele procure outro amigo, talvez, com pedrigree, cartão de vacinas e coleira, só para mostrar que a verdadeira riqueza é a amizade, algo que não se compra em pet shop.

Maurílio Ribeiro da Silva