COBAIAS

Os telefones não mais tocam.

A gritaria das crianças já não se fazem presentes pela casa.

Desenvolvi a habilidade de conversar com as plantas, mas elas parecem não responder, ou se respondem o fazem em silêncio.

Já consigo diferenciar os cantos dos sabiás. Cada um tem o seu.

Nem havia reparado antes, mas o ipê branco também existe.

As figueiras e as parreiras estão com pequenas folhas.

Tem perfume de flores no ar. É primavera.

O galo anuncia que está amanhecendo. Que galo chato e inconveniente.

Talvez eu receba visita. Na dúvida vou abastecer a geladeira.

No caminho para o mercadinho, poucas pessoas estão circulando.

Alguns jovens estão chegando das festas.

Jovens e velhos têm fusos horários diferentes.

Tentei puxar conversa com a moça do caixa, mas ela não estava a fim de papo. Estava meio sonolenta ainda.

O porteiro do prédio é sempre gentil.

Olhei pra janela da casa da frente, a minha musa ainda está dormindo. É fim de semana, hoje ela vai até o meio dia.

Talvez eu leia um livro.

Já li todos.

Talvez eu vá pra internet.

Nesta hora não tem ninguém conectado pra eu dar um bom dia.

Quem disse que a solidão é boa?

Têm vezes que dói, mas é uma dor estranha.

Às vezes tenho a impressão que a velhice tornou-me descartável.

Meus netos... Ah, meus netos. São só netos, não são mais meus netinhos, aqueles que eu cuidei até eles virarem adolescentes. Acho que esta fase ficou no passado e eles encontraram os seus caminhos.

Meus filhos às vezes vêm aqui, perguntam se estou bem e vão embora. Eles têm muito que fazer.

No natal passado meus netos me mandaram um cartão. Estavam viajando.

Os jovens são muito ocupados.

Certo dia eu vi na internet algumas experiências com a terceira idade. Havia velhos sendo analisados em laboratórios, em pesquisas diversas. Eles estavam rodeados de jovens doutores e aparelhos. O ambiente era claro e aconchegante. Os velhos estavam contentes.

Gostei.

Quero ser cobaia também...