Medusa na ótica de Helena

Ela gostava de alimentar os pombos no largo do mercado ao entardecer... De vez em quando vou ouvir o arrulhar e as paixões dos bichinhos, paro para ver o por do sol... Percebi quando ela se aproximou fazendo barulho com os lábios “pruuuuuu” - enquanto lançava as mãos cheias de alpiste com o vento. O vai e vem ágil dos pombinhos era uma festa, e tanto maior era o seu encantamento. Destemida e audaz, ela me cumprimenta com uma ironia: “Moça você hoje está parecendo com Medusa a contemplar suas estátuas com expressão de medo no olhar”- ela sorri e continua – “Dizem que no jardim do palácio dela existem dezenas de exércitos de esqueletos de homens com flechas ao peito. Todos estão mortos. É encantamento demais, moça.” Confesso que até certo ponto achei que era uma metáfora aos meus cabelos, é, eles tem mudado muito... Mas depois que ela saiu e continuou fazer sua chuva para passarinho, pensei: de fato, ando com muitas minhocas na cabeça, são menores que as cobras de Medusa é bem verdade, mas remexem, vão e vem como as serpentes da encantadora monstra mitológica. Um olhar parado, fixo, distante pode empedrar as pessoas a nossa volta. É preciso mudar o foco, ou as flechadas nos lançarão estados de letargia. Isso é morrer um pouco. É preciso quebrar alguns encantos. De vez em quando é necessário cortar a cabeça do nosso monstro interior, estátuas produzem uma visão imobilista da vida. Quando saí do transe desse cogito, o sol já estava se pondo, não havia mais pombos, nem ela estava mais ali. Pude contemplar um espetáculo do crepúsculo, foi um final de dia maravilhoso.