Morri em você

O que percebo agora é que eu estava errada quanto à solidão. Estar sozinha só é bom quando eu sei que não estou sozinha. E eu sempre soube que você, embora saísse e entrasse na minha vida de forma abrupta e corriqueira, nunca havia me deixado assim, tão em minha própria companhia.

Quando você deveria ter sido prático, você foi covarde. Você deveria ter, de repente, desaparecido ao amanhecer em meio à névoa, em meio aos prédios da cidade. Mas não. Invés disso, você me fez beber a saudade desse teu corpo vazio. E eu tive que me acostumar, aos goles, com esse teu gosto amargo. Esse gosto amargo da tua ida que te deu as boas vindas e não me deixou dizer adeus. Você me pôs no entulho dos seus discos que sempre foram esquecidos daquela sua velha promessa de joga-los fora e por lá fiquei. Permaneci. Até que eu fosse parte da poeira que te atacou a rinite e das músicas que te enjoou a sonoridade. Permaneci, até que eu morresse completamente em você.

E então, eu morri um pouco em mim também. Morri sozinha, como fui deixada para morrer. Morri da falta, como fui deixada para sentir. Morri, mas matei também. Matei sozinha, como fui deixada para matar. Matei o excesso, como fui deixada para sentir. E me vejo obrigada a nascer noutra pessoa, só para, em algum tempo, morrer outra vez. Mas, daqui a algum tempo, minha moradia há de alegrar algum coração habitável que se valha de uma hospedagem permanente.