"Eu sou casada"!

Voltando para casa há pouco, passei por uma jovem senhora carregando três sacolas enormes, com visível desconforto. Num primeiro momento passei indiferente, mas, olhando pelo retrovisor notei a dificuldade que ela tinha com sua carga e parei. Não custa ajudá-la, pensei.

Esperei um tantinho até que se aproximasse e perguntei se queria uma carona, uma ajuda com suas coisas. Ela olhou-me assustada e defendeu-se depressa: - Não, eu sou casada! Ora, eu só ofereci carona, não a pedi em casamento ou algo pior. Deixe-me ajudá-la a levar isso apenas, não tenha medo, insisti. Ela mais assustada ainda afirmou que morava perto, agradeceu e lembrou uma vez mais que era casada.

Restou-me seguir resignado como bom samaritano frustrado, mal interpretado. Deixei o incidente, mas, ele não me deixou. Me pus a pensar nas suas razões.

O “eu sou casada” poderia significar que seu marido teria ciúmes se a visse descendo do carro de outro homem, e ela estaria querendo evitar isso; ou, ter mesmo interpretado a coisa como vil interesse de minha parte.

Não a conheço, tampouco sei se ela me conhece, mas, acho que não; desse modo não dispõe de elementos para pensar de mim, bem, nem mal. Acho que minha pretensa boa ação foi reprovada por média.

Quantos homens numa dezena, por exemplo, poderiam abordá-la preocupados com outra “Sacola”?

O fato é que vivemos tempos difíceis, onde, ações desinteressadas são cada vez mais raras, de modo que, as pessoas fazem bem em desconfiar de estranhos.

Algumas vezes dei pequenas ajudas a pessoas que usaram a fome como motivo, e depois, as encontrei bebendo com meu auxílio; outras tantas, me omiti suspeitando ser mais do mesmo, e bem pode ser que eu tenha cometido alguma injustiça também. Digo, sonegado o pão por média a um que o necessitava deveras.

A Bíblia ensina: “Dá a quem te pedir.” Sócrates, o filósofo ensinava: “Melhor sofrer uma injustiça que cometê-la.” Entretanto, nessas horas nem a Bíblia nem nosso depósito filosófico conseguem silenciar de um todo, a mosca da desconfiança.

Triste mercância grassa no seio humano, imenso estio de valores, de compaixão. A água fria assusta gatos por que a quente já fez muito dano. De qualquer modo, agora eu, escaldado, antes de oferecer a próxima carona perguntarei: Você é solteira?