Ele sequer sentiu quando ela o beijou no rosto.

Cercado por tantas pessoas, vozes diferentes, interesses ocultos, ele procurava dar o melhor de si. Não precisava. Por si mesmo já era belo, inteligente, brilhante. Porém assim não se percebia. Gentil, atencioso, respondia às perguntas, atendia aos repórteres. Não era capaz de haurir a atmosfera ruim dos que dele se aproximavam no intuito de obter vantagens.
Ela sim. Sua sensitividade aguçada fê-la sair dali e tentar levá-lo consigo. Sem êxito.
Conhecia muito bem o território das sombras. Nele caminhava sem medo de ser tragada.

Alguém perguntou um dia, "que relação tem a luz com a sombra?"
Ela não fazia perguntas. Caminhava apenas. No seu passo de quem nunca tem pressa.
Poderia a luz se perceber luz sem deixar de sê-la?

A noite era quase artificial. Como o teto estrelado de um circo. Quando menina ela pensava que se podia furar o céu com uma vara bem comprida. Mas seu raciocínio infantil não perguntava o que haveria para além do céu furado.
Haveria algo?
Sempre. Se não houvesse de fato seria sonhado, criado ou contado.

A noite. Não a incomodava de jeito nenhum. Só que preferia o dia. Preferia o Sol, ela, girassol.
A lagoa susteve o fôlego para não atrapalhar os pensamentos dela. Se sentia tão rasa toda vez que a via passar. O Ícaro observou-a ao longe, diferente da que vira, radiante, ao entardecer. Ela sempre parava para sentir o frescor da brisa e olhar para ele.

Dessa vez ela não parou nem olhou. Parecia outra figura.

Outra figura. Como se a vida fosse um álbum de cromos e o agora, uma criança que comprasse um envelope na banca de revista e fosse correndo para casa completar a coleção.

Mas vejam como era singular, essa Criança-Momento que gostava de figurinhas repetidas.