Aquele momento libertador

Algumas vezes durante a vida da gente coisas ruins acontecem. Às vezes pessoas que jamais imaginávamos nos ferem e magoam de tal forma, que, parece, não irá curar nunca. Mas um dia cura. De uma forma ou outra cura, o que não significa que tenhamos esquecido ou deixado de lado aquele momento da nossa vida. Mas doer já não dói e cada vez mais aquele sentimento oco e ruim causado por aquela pessoa vai se desfazendo, se tornando estranho, se dissipando, como nuvens negras se dissipam no céu, como caminhos vão ficando para trás e não nos resta mais se quer um pontinho imaginário no horizonte capaz de nos fazer enxerga-lo lá tão ao longe que está.

Durante muito tempo, mesmo curados e sem sentir dor, se pararmos para pensar a fundo ainda sentimos pena de nós mesmos e indignação perante ao que aquela pessoa foi capaz de fazer conosco. Ainda sentimos mágoa... Ainda achamos que um dia em algum lugar, alguma vida, alguma galáxia que seja, teremos a explicação que ardentemente desejamos ter naqueles dias. Entenderemos, numa conversa franca, com direito a jogar na cara do outro tudo pelo qual nos fez passar e com direito a vê-lo humilhado e arrependido em nossa frente tentando nos dar alguma explicação que dissipe sua culpa e o exima de toda responsabilidade da dor que nos causou. Ansiamos por esse dia, ingênuos e tolos que somos, no nosso pouco entendimento da vida e das coisas do mundo. Achamos que aquela pessoa nos deva implorar perdão. Acreditamos que aquele dia irá, irremediavelmente, chegar e poderemos sair vitoriosos daquela história, tendo cada lágrima caída por ele vingada, redimida ou seja lá o que for.

Mas, eis que os anos continuam passando. Primeiro um, depois dois, depois três... exatamente como tem que ser, seguindo a lei da vida. E você, nas vezes que se depara com aquela pessoa, vezes cada vez mais raras e indiferentes, repara no quanto aquela pessoa é estranha pra você. Completamente estranha, desconhecida, como alguém que você sabe talvez o nome ou "conhece" apenas de vista, de um ou outro lugar comum por que passem de vez em quando. E você acha esquisito, mas já não sente nada por ela, nem de bom nem de ruim, é como se jamais seus caminhos tivessem se cruzado, vocês jamais tivessem tido uma vida em comum. Vocês são estranhos, absolutamente estranhos um ao outro e isso lhe da uma pontinha de tristeza, porque parece injusto dividir tantos anos com alguém e depois isso se quer parecer ter existido. Mas enfim, é a vida, e mais cinco anos se passam, depois seis, depois mais, até que um dia...

Até que um dia, assim do nada, olhando as redes sociais da vida, ou fotos velhas ou aquele baú de cartas antigas ou mesmo cruzando por ele na rua, acontece aquele momento libertador, que você não só nunca imaginou, como nunca desejou chegar. Aquele momento em que você simplesmente sente gratidão e entende algumas coisas que a vida tenta há anos te ensinar. Aquele momento que você se sente livre de qualquer dor ou culpa- sua ou alheia. Que você sente alívio, por estar onde esta. Que você entende que ele nunca vai te pedir perdão ou explicar nada, que ele nunca vai chorar ou tentar conversar com você novamente- nem nessa nem em nenhuma outra encarnação. E você não sente raiva ou frustração por isso. Você só entende que a vida é assim, que algumas coisas simplesmente acontecem porque precisavam acontecer pra que você pudesse estar onde está hoje - é claro que poderia ter acontecido diferente, com menos dor, mas, sinceramente, isso já não faz diferença. E você até sente vontade de chamar ele e agradecer e dizer que não o culpa por mais nada, até porque entre culpados inocentes, no fundo, você sempre soube que teve sua parcela de culpa nisso também. Mas nada disso se faz necessário. Ele não precisa saber do que nunca fez questão de saber e você já não precisa mais perdoa-lo por nada. Nunca precisou, você é que não sabia; Você é que achava que ele te devia algo, que achava que merecia o que ele jamais poderia te dar. Mas agora que você entende, tudo se torna ainda mais leve e você até consegue desejar que ele seja, sei lá, feliz?! Pois é, isso já é entre ele e a vida e você já não tem nada com isso. Absolutamente nada! Nem deseja ter. E como é libertador!

MAMagni
Enviado por MAMagni em 21/09/2015
Reeditado em 14/10/2015
Código do texto: T5389943
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