O Crime Perfeito

 
A propósito de um texto sobre doces que o escritor pernambucano Dartagnan Ferraz postou aqui no Recanto, lembrei-me de um causo de minha infância.

Pobre é um bicho curioso, leitores. Enquanto o rico come uma colherinha miudinha de doce de leite, um pedacinho de queijo, "à francesa", pobre come tudo de uma vez. Um queijo inteiro vai embora só numa rodada. Doce? Daonde, enche é as xirca. Vivemos como se não tivéssemos amanhã. Aliás eu me lembro de uma grande trovoada que deu lá na Boa Viagem e eu fiquei tão triste porque o mundo ia se acabar e eu não tinha gasto dois reais que estavam dentro da minha bolsa.

Apois. O assunto aqui é doce.
Eu adoro. Desde pequena. Tenho comido menos, bem menos. Agora sou chique, uma colherinha basta. Quando estou triste me agarro com um tablete de chocolate branco e acabou-se. No mais das vezes não faço muito empenho não. Mas quando pequena eu era uma saraça. Adorava comer doce, principalmente tijolinho, molinho, os fiapos da cana e as abelhas italianas fervidas no tacho vinham no pacote. Ai que delícia.
Mas tinha um doce pelo qual eu vendia a alma da Vanda: cocada. Ar'maria. Era bom demais. Principalmente as grandes, do tamanho de rapaduras, que o pai levava para casa enrolada em um papel e amarrada com barbante.

Era assim; lá em casa éramos sete, então a mãe tinha que repartir muito sabiamente o de-comer. Sempre me revoltei pelo fato de os homens comerem mais mas não, não se tratava de feminismo latente. EU comia menos.
Apois; um dia o pai levou uma cocada dessas e a mãe dividiu, uma banda pro almoço outra pra janta. Comemos, a mãe lavou os pratos no alguidar e saiu para visitar uma amiga. Foi aí que começou a minha caçada; onde era o esconderijo da banda de cocada.
Fucei, buli, malas, latas, panelas, potes e nada. Aquilo me intrigou demaisado, será que a mãe tinha embarcado a cocada? Não era possível. Olhei nas cumeeiras, detrás do guarda-louça, dentro da caixa de roupas da mãe e nada. Aí eu fiquei parada no meio da sala de janta, pensativa, quando avistei o esconderijo mais improvável: Ah! Na mosca! A mãe tinha escondido a banda de cocada dentro da rede dela!
Desarmei a fianga com uma satisfação inominável, a cocada estava lá, gostosa, cheirosa, à minha espera.
Mas não comi toda não que eu não era nem doida. Apenas tirei uma tora generosa e depois devolvi a bichinha ao seu esconderijo engenhoso.

Não sei se a mãe deu pela parte retirada, creio que não. Ela subestimava minha inteligência, perspicácia e obstinação. Foi um crime perfeito.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 26/09/2015
Reeditado em 26/09/2015
Código do texto: T5395612
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