O Manual de Apoio
 
Leitores, essa história quem me contou foi uma vaca. Sim, a vaca mulher do boi e, sim, eu falo com animais. Podem perguntar à Vanda, por onde eu passo vou cumprimentando cachorros, gatos e o que mais me aparecer. Só fujo das caranguejeiras, morro de medo.
 
Foi assim. Um dia eu estava passeando lá pelas bandas do Vieirão que por sinal com essa seca só tem água pra caber numa cuia quando avistei uma vaca pastando, sozinha, sem boi nem bezerro. Uma vaca como eu. Amiga.
E comecei a puxar conversa. Contei daquele vez nos Dois Irmãos, quando eu tinha seis anos e enterrei o pé numa bosta de vaca pensando que era uma pedra, já era míope e não sabia. Fiquei melada até o mei da canela. Ô tristeza. E cadê água pra lavar. Fiquei cagada até umas horas. A meu ver, disse para a vaca, o animal que mais produz adubo orgânico é o da espécie dela, ao que a vaca me respondeu "daonde, já bateram o meu recorde!"

E principiou a me contar:
 
"Um dia eu estava aqui mesmo nesse pasto, só que um pouco lá para cima, quando vi foi um humano passar correndo no rumo duma moita. Pensei logo, esse aí desunerou. Ninguém corre desse jeito a não ser pelo imperativo categórico da caganeira.
Acertei. O cabeçudinho só deu tempo baixar o calção, arriou o primeiro lote, o segundo veio mais denso e o terceiro fez o caboclinho suar frio. Quando eu dei fé tinha parado até de comer capim, bestinha que estava com a cena. Merda pra três ele cagou sozinho.
Terminado o serviço, olhou em derredor atrás de uma folha de marmeleiro e não encontrando o papel higiênico natural do sertanejo fez uso de um livro de capa azul que estava ali perto."
 
Nisso eu dei uma risada, pedi desculpas à vaca por interromper-lhe a narração mas foi porque essa passagem me remeteu direto à minha infância. O livro em questão só podia ser um Manual de Apoio.

Os da minha geração se lembram, quem estudou pela TVE. Os Manuais de Apoio, além de serem de uma riqueza cultural ímpar, eram feitos de um papel reciclado muito macio, ideal para levar ao cagador. Foram as únicas cagadas  inteligentes da minha vida. Ai, como era bom, o vento fresco, o cheiro de mato, ler um bom texto e me alimpar com a mesma folha "que até o mês passado lá no campo inda era flor" se flores produzissem papel. Com licença, Belchior, foi só um repente poético para os leitores entenderem a beleza daquele tempo.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 10/10/2015
Reeditado em 10/10/2015
Código do texto: T5410317
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