ENTRE GUARANÁS E GRAPETTES

Sou do tempo que no feriado entrava num Simca Chambord e lançava-me na aventura de ir até o Belém Novo ou Lami, e deliciar-me nas praias não poluídas do Guaíba. O mesmo rio (os estudiosos dizem que é lago, mentira, eles não sabem de nada.) que eu e meu avô pescávamos baldes e baldes de lambaris e depois fritávamos em banha de porco. Colesterol? Triglicerídeos? Que nada! Isto é invenção moderna pra enricar os laboratórios!

Sou do tempo que comer torresmo não fazia mal a saúde.

Sou do tempo, que a maior alegria era assistir na televisão o Rin-tin-tin, que cachorro legal! E a Lassie então?

E aquela novela do rádio: “ O Direito de nascer”? Não acabava nunca!

Mas tinha coisa ruim também: O Repórter Esso anunciava a Guerra da Coréia, que medo! Mais tarde veio a Guerra do Vietnam. Muito Triste.

E os Beatles, que maravilha! Juntávamos alguns guris e gurias e na garagem colocávamos o Long Play na vitrola e sorvíamos muitos Guaranás e Grapettes. Era uma festa de arromba. Aliás, festa de arromba veio depois com o Erasmo Carlos; o Roberto Carlos com o seu “Calhambeque” era uma “brasa mora”. Quem não se lembra? Os sessentões lembram bem.

Tinha a tal de ditadura militar, já nem lembrava isto. Ah! Agora lembrei: quando eu fazia ginásio industrial no Parobé, muitas vezes no intervalo do almoço íamos até a Borges de Medeiros. Alguns colegas carregavam um saquinho de bolinhas de gude pra jogar na rua e ver os milicos a cavalo se estatelarem no chão. Coitados dos cavalos. Quando passava uma viatura do Exército, a gente gritava: Abacate do governo! (Bem baixinho, é claro.) Afinal guerra é guerra. Depois fui ser milico e este negócio de política eu deixei para os civis...

Sou do tempo que, quando a deprê baixava, ouvia o Tim Maia: “É primavera...” Hoje quando baixa a deprê, também escuto o Tim Maia: “Pede a ela pra ligar pra mim.” Ou senão: “Eu preciso de falar. Te encontrar de qualquer jeito.” Mas, as minhas musas não entendem...

Foi um tempo bom.

Usava Conga e sapato Vulcabrás(chique). Meu sonho era ter uma calça Lee e um rádio gravador Phillips. Consegui. Jogava bola num campinho perto da minha casa, descalço, e quando me machucava nos pés de guanxuma, a dor era terrível, entretanto, mais dolorida era a bronca da minha mãe. Blusa Banlon, camisa “volta ao mundo”, calça “boca de sino” e perfume Lancaster, era tudo o que eu queria. Afinal, moda é moda. Mas, a moda do cabelo na testa igual ao do Ronnie Von, eu não gostava muito.

Meus amigos Black Power faziam sucesso com as suas cabeleiras. Eu os chamava de “negrão” e eles nem brabos ficavam. Tinha uma boate aqui na cidade, a Flowers, só de gays, e todos respeitavam. Esta coisa de discriminar parece ser coisa moderna.

Sou do tempo que o Brizola incitava os gaúchos a lutarem pela posse do Jango. Era o movimento “Legalidade”, que tinha até hino, e toda hora tocava na rádio Guaíba. A princípio deu certo, mas depois ele teve que fugir. Veio a tal de Ditadura.

Sou do tempo que no colégio tinha aula de música e eu pertencia ao Coral. Apresentamo-nos uma ocasião no Teatro São Pedro. Foi muito bom.

Sou do tempo que as bandas do Colégio das Dores, do Rosário e do Parobé eram famosas e disputavam a preferência durante o desfile de 7 de Setembro.

Sou do tempo que pai, mãe e professor eram entidades sagradas.

Sou do tempo que, para vencer na vida deveria estudar, e muito.

Agora eu sou do tempo que consegue rememorar tudo isto, pois ainda vivo. E gostaria que os jovens de hoje, daqui muitas décadas dissessem o seguinte:

“Sou do tempo que tinha uma mulher na presidência e que as coisas não andavam muito bem no país. Sou do tempo que as pessoas andavam muito sós, pois tinha uma rede social virtual que tomava todo o seu tempo. Sou do tempo que os valores morais tinha se alterado por conta de um regime político equivocado.”

E, eu também quero fazer parte desta leva, pois aí então eu saberei que vivi muito.