Leitores, todos sabem que eu adoro contar um causo, escrever crônicas, poemas. Raramente falo sobre coisas do cotidiano mas o acontecimento de hoje merece considerações.
Estou falando do ENEM, o Exame Nacional do Ensino Médio. Não é a questão da Simone de Beauvoir que me inquieta. É a moda que os estudantes têm de zombarem de quem chegou atrasado, de quem teve pontuação ruim.

Meu povo, dando um exemplo prático; no ensino médio eu tinha um colega que era muito estudioso, inteligente, aplicado. Acontece que na hora da prova o rapaz ficava nervoso, dava um branco e consequentemente não tirava as melhores notas da turma. Mas ele sabia, ah, meus amigos, ele sabia.
Aí eu vejo os estudantes nas redes sociais fazendo analogias entre má pontuação e ser balconista de rede de fast food. Meu povo, daonde que passar em primeiro lugar no ENEM, estudar em universidade conceituada ou fazer um curso que a sociedade vê como "bom" é sinal de ser bem-sucedido? Mais vale um balconista feliz que um doutor frustrado. Aliás para pensar melhor no assunto eu recomendo o filme "O Sorriso da Monalisa".
 

Voltando um pouco no tempo, uma vez um professor da universidade onde estudo foi dar uma palestra no cursinho pré-vestibular que eu frequentava. O homem falou muita coisa, sobre como um estudante de Pedagogia tinha ido trabalhar na ONU e ganhava três vezes mais que seus irmãos médicos e advogados que moravam no Brasil. Eu fiquei com raiva e disse que ele não tinha o direito de ir àquela sala e minar os sonhos dos colegas, ora mais, se um queria ser astronauta, outro queria ser abduzido e outra sonhava em ser professora ele tinha mais era que motivá-los a atingir suas metas e ademais já podia ir às escolas top de Fortaleza e dizer aos alunos ricos que eles se sairiam muito bem. Claro que o homem ficou puto da vida comigo, sou especialista em arrumar desafetos.
 

Voltando ao ENEM; outra coisa que gera muitas piadas é o povo que chega atrasado. Vocês já repararam que é tudo pobre? Taí, nunca vi um engomadinho chorando agarrado às grades de um portão porque chegou atrasado. Por que será, hem? Só sabe quem pega ônibus, especialmente nos fins de semana. Se aqui em Fortaleza eu espero uma hora na parada do Alto da Paz, imaginem em uma metrópole como São Paulo. Gente, é muito difícil. Aí vem o contra-argumento, "ora, que durma no local da prova! Não dormem em barracas para ver a Beyoncé?" E a falta de segurança? E a tranquilidade necessária para fazer uma prova dessa envergadura? Sim, porque a prova do ENEM foi feita para eliminar candidatos pobres. Textos imensos, noventa questões em um dia tendo cada uma um enunciado que encandeia até a mim que gosto de ler. Agora imaginem o estudante pobre trabalhar no dia anterior até as dezoito horas, pegar um trânsito infernal na volta para casa, de manhã tomar um pão com café e chinelar no rumo do local de prova, ótimo, chegará a tempo mas e a fome? E a sede? As mães que deixam os filhos em casa para irem fazer a prova? Tudo isso são fatores que contribuem para a eliminação do candidato a menos que o cabra tenha sangue no olho e não abra nem pro Cão.
 

Vejamos agora o outro lado. O estudante rico estuda em um cursinho caro que às vezes inclusive aconteceu aqui em Fortaleza tem acesso às provas com antecipação, dorme bem, de buchinho cheio, no dia seguinte o papai leva o aluno de carro com ar-condicionado e uma sacola cheia de guloseimas ainda por cima com a promessa de que vai ganhar um carro se passar.
E aí, quer comparar?