HIPOCRISIA. CONVICÇÃO. DANTE E DIVINA COMÉDIA.

Hipocrisia é vestir uma roupa, gostar dela, vestir sempre, repetir habitualmente, orná-la febrilmente com costuras novas, sempre, adorar essa roupa e dizer que está vestindo outra.

Se o hipócrita soubesse dessa clareza irrecusável que os mais astutos enxergam à inteireza, não transitava por essa conduta negando-a, caracterizada pela superficialidade infantilizada. Ser superficial não é pecado de consciência quando se trata de convicções que não ferem ninguém nem agridem direitos consagrados nas leis.

É lícito ter falsas convicções, pois são falsas para uns e verdadeiras para outros.Faz parte de viver e conviver, sem esses contrapontos inexistiriam conflitos singelos e severos,com negatividades mais ou menos intensas. Essa equação é parte da vida. Faz parte do andamento da humanidade ser hipócrita. Não deve o hipócrita, contudo, tentar cercear convicções contrárias ao que propaga, como se qualquer convicção visasse suas posições hipócritas.

É de sua natureza ser militante da testilha e da contrariedade, e sempre o faz precariamente, por ser de extrema fragilidade a hipocrisia, por um simples motivo, desemboca em falsidade em afirmar o que é, o que veste, o que encarna em sua estampada e troante caminhada, e dizer não ser e não vestir, e não encarnar de forma sonante. Tudo em solilóquios que não passam os umbrais do quase nada.

Um exemplo disso é o fato religioso.

A religião é pessoal, reporta exemplificação, e tanto e muito, que alguns inventam a sua. Ser cristão é um leque de muitas ortodoxias, e o Cristo nada ditou além de sua inigualável regra moral, Lei Moral máxima. Alguns dizem mesmo não ter existido Cristo, o homem Jesus de Nazaré, desafiando a história formal, outros ser Ele um mero Profeta, como quer o malsinado islamismo, de um Deus tirano e sanguinário no terror, outros ainda, um mero personagem da história. Meras convicções que cada um pode ter segundo seus critérios de avaliação histórica. E acrescente-se que Jesus, o Cristo por ser Ungido, nada criou como religião, senão pediu a quem o negou, Pedro, que erigisse uma igreja, SE PUDESSE, Igreja dos Caminhantes, nomenclatura de seu grupo nas Ecclesias, as mesmas que fundaram o gigantesco catolicismo de Paulo de Tarso, o rabino judeu que perseguiu os seguidores do Cristo e se tornou São Paulo, o intelectual cristão incomparável, um catolicismo por vezes e muito, à margem da Lei Moral de Jesus. Convicções.....

Minha convicção não desconhece o que posso alcançar, como as falhas da história que recebi em meu acervo de informação, principalmente no que foram os marcos civilizatórios que procurei conhecer e atualizo sempre, com as marcas do pouco progresso. Não posso ser hipócrita com minhas convicções, posso somente estar em desacordo com outras convicções, legítimas, muitas hipócritas, aos meus olhos sem nenhum agravo. Cada um pense o que quiser, garantia de todos, e seja hipócrita se quiser, ninguém tem nada com isso, é um direito que não escapa de singela observação, mas no mundo da mentira é difícil assumir e celebrar verdades que definem expressiva maioria.

É como a poesia facultada a todos hoje pela internet, multidões que se dizem poetas, e são para eles mesmos e para alguns que podem reconhecer sentimentos declinados em meio a travas e tropeços na língua, sem comprometer a vontade pessoal e a interlocução, tudo aceitável na aleia da liberdade, mas poesia é outra coisa, conquista da literatura, autorizado o reconhecimento pelos que têm cadeira e embasamento para o reconhecimento. Sentimentos todos têm, do mais rude ao mais educado, poesia é projeção diversa, requinte, dom e talento de colocar o que se sente na língua com as exigências do estilo e da gramática, ainda que poesia livre como a concretista.

Em variados assuntos as “convicções” são dissonantes, diversionistas, normal desde que não incorporem indumentárias hipócritas que investem contra universalidades e gêneros. Que se vistam as verdadeiras roupas. Nada há a restringir. Ainda que relativas algumas verdades, as que inadmitem distorções são visíveis e flagrantes.

O mago da verdadeira poesia, segundo monumento literário do mundo, Divina Comédia, assim considerado depois daBíblia, Dante Alighieri, que todos deveriam ler, discorre em seu canto XXIII, “e se son morti, per qual privilegio / Vanno Scoperti dela grave stolla?”. E se estão mortos, por qual privilégio vão descobertos da pesada capa?

Fala da falsidade hipócrita, os hipócritas estão mortos, vivem uma vida de mentiras, e em sua interlocução com Virgílio, o fantástico poeta que o guiava pelos caminhos do inferno procurando sua amada Beatriz, responde: “Essas capas que brilham como ouro são chumbo, encontro-me aqui com o corpo que sempre tive”. “Ch´io ho sempre avuto”.

É o ouro que se quer sendo puro chumbo, uma hipocrisia, pesado como a mentira.

Seja hipócrita quem quiser, é direito que não escapa de singela observação e até merece reconhecimento de néscios.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 16/11/2015
Reeditado em 16/11/2015
Código do texto: T5450608
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