MEMÓRIAS ( 10 )


A verdade: o que está ao lado. Um monge perguntava a Tchao-Tcheou: "Qual é a única e última palavra da Verdade?" (...) O Mestre respondeu: "Sim". Não vejo nessa resposta a idéia banal segundo a qual o segredo filosófico da verdade seria tomar vagamente o partido de uma aquiescência geral. Entendo que o mestre, ao opor estranhamente um advérbio a um pronome, "sim" a "qual", dá uma resposta ao lado: dá uma resposta de surdo, como aquela que deu a outro monge que lhe perguntava: "Diz-se que todas as coisas são redutíveis ao Um; mas e o Um, é redutível a que?" E Tchao-Tcheou respondeu: "Quando eu estava no distrito de Tching, mandei fazer uma roupa que pesava sete 'kin' ". *

Uma vez, uma única vez que eu saiba, meu pai mentiu para mim. Na rua que ficava atrás da nossa casa, acima da viela, havia duas grandes construções de tipo europeu, assemelhadas a castelos. Eram moradia de ingleses; uma delas, com o nome de castelo de chocolate, co suas torres pintadas de marrom e um grande jardim ao redor parecia esses castelos de fadas. A outra, que ficava mais próxima, era toda pintada de branco, com aspecto de fortaleza medieval, tinha uma grande torre redonda na parte frontal. Perto da entrada havia um maravilhoso "pé de jasmim", sempre florido, sempre perfumado. Naquele dia, mamãe nos penteou e vestiu com capricho porque íamos tirar fotos. Assim, escolhendo os locais e as poses, ele bateu algumas e depois saímos para a rua a fim de variar os locais. Perto do jasmineiro havia um tronco. Papai colocou ali minha irmãzinha e bateu uma foto dela cheirando um jasmim. Então, eu também quís. Primeiro, ele disse que o filme havia acabado, mas eu comecei a chorar, assim, ele me colocou na mesma posição e "bateu" minha foto também. Fiquei esperando ansiosa, mas quando ele chegou finalmente com o filme revelado, a minha foto não estava lá. Ele disse que não saíra. Somente muitos anos mais tarde fiquei sabendo da história verdadeira, um dia em que olhávamos nosso álbum.
Como posso culpá-lo? Como saber a intenção que havia em seu coração quando fez aquilo? Não era ele que me mostrava tantas coisas maravilhosas? Como os pirilampos, nas noites de lua nova em nosso pomar, num bairro onde não havia luz artificial a interferir na apreciação da natureza? Aquele espetáculo em que uma multidão de pirilampos apagava e acendia suas luzinhas como a chamar, estou aqui; não! aqui! aqui! Depois ele pegava alguns e colocava numa caixa de fósforos, levava para dentro de casa e os deixava voar no escuro, para que pudéssemos observá-los de perto. Pobres pirilampos, nem mesmo uma prece bendita para salvá-los de percer numa caixinha de fósforos!