Apenas um dia - diário de um alcoólatra

Ontem foi um dia especial. Seria o dia em que eu completaria cinco dias sem beber nada. Nadinha. Quanto tempo eu passei querendo não beber um único dia? Não sei, mas sei que perdi as contas dos dias em que jurei que seria o último e mesmo depois de ter jurado sobre minhas lágrimas e me sentido com um novo ânimo e vontade de viver longe do vício, eu me entreguei a ele.

Bem, ontem seria o quinto dia se eu não tivesse dado uma passadinha no mercado e comprado uma garrafa de vinho, um Carmenere chileno mais barato que encontrei. Simplesmente entrei no mercado, convicto, passei por várias gôndolas, peguei umas castanhas, óleo, papel higiênico, evitei ao máximo aquele corredor mesmo sabendo que tinha entrado lá para ir direto naquela prateleira, e coloquei na cesta embaixo das outras coisas a garrafa escura de vidro.

Bem. Cheguei em casa e acendi um cigarro e abri, ávido, a garrafa. Coloquei um hambúrguer para fritar e enquanto isso enchi a taça duas vezes. Álcool e nicotina! Ahhhhh! Tem coisa melhor que isso para simplesmente eu ligar o computador e colocar uma seleção de músicas tristes e melancólicas em inglês, das quais eu não conseguia compreender quase nenhuma palavra?

Oh vida boa! Vida boa beber um vinho! Chorar e dançar sozinho e maldizer o mundo! Coisa boa sonhar com um futuro promissor e xingar alto os antigos desamores (não tão antigos, sejamos sinceros), comer um hambúrguer industrializado sem gosto!

Com certeza tenho uma percepção bem apurada de quando estou ficando alto e nessas horas eu escondo meu celular. Coisa mais desagradável é lembrar no dia seguinte que enviei mensagens humilhantes aos antigos desamores (já sabem que não são tão antigos, vá lá) implorando por amor ou os culpando pela minha infelicidade completa.

Então, por fim, a garrafa seca. Acabou mesmo. E eu só tinha comprado uma, para evitar excessos. Maldição. Estou alto, mas ainda sedento. Álcool e nicotina!

Ohh que dureza encarar o último trago de ambos. A música já não soa tão boa, afinal quero alguém para compartilhar tanta coisa, tantas idéias, tantas perspectivas e tantos sonhos! Mas sem álcool... Só a nicotina não me basta.

Coisa chata isso. Dirigir bêbado é crime, dos piores, pelo menos moralmente, já que você corre o risco de matar alguém... Mas...

Ohh sede que não tem fim!

Saio de carro e compro algumas cervejas e vou tomando uma a uma e no final da noite estou tropeçando em meus próprios pés, quebrei uma taça de cristal, liguei para a ex namorada que terminou porque eu era uma pessoa irresponsável (segundo ela). Ela não atendeu.

_ Claro, ela já tinha outro com certeza, nunca me amou. Mentirosa! Nunca me amou!

_ Nunca me amou! Nunca!

_ Também sou tão feio e incapaz, não sou rico nem nada. Por que ela me amaria??! Essa música tocando estridente já me irrita, como desligo isso mesmo?

_ Droga. Droga! Droga! Droga!

_ Por que tudo é tão difícil? Não tem sentido viver assim sozinho. Eu não tenho sentido. Droga. O que eu tinha ido pegar mesmo na cozinha? Era algo... Algo para, alguma coisa... Droga.

_ Celular porcaria, ninguém atende. Não está tão tarde, é só meia noite. Calor infernal. Por que eu sou assim??? Por que não morro logo? Ninguém merece viver assim...

Bem, a empregada me acorda de manhã e eu me encontro com o celular na mão e olho a casa devastada... Meus sapatos estão sobre o sofá e a TV está com os fios todos fora das tomadas, o controle remoto está espatifado próximo à parede. Estou atrasado para o trabalho. Estou fedendo. Meu celular tem umas trinta mensagens (_sério que fiz isso???).

Mas tudo bem, é só a primeira vez dessa semana.

Estava indo tão bem. Mas juro que nunca mais vou beber!

_ Droga! Azia infernal...

Alessandra Vasconcelos
Enviado por Alessandra Vasconcelos em 19/11/2015
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