Parece que só o mercado percebeu

Os estudiosos de marketing exploram com maestria a sutileza das carências afetivas sociais. Até aí, tudo muito óbvio. Mas acontece que, há tempos, resolveram usar as imagens das avós para atrair uma clientela cada vez mais necessitada de amor verdadeiro, singelo, comprometido, muito consciente e perene.

Muito me chama a atenção da quantidade de padarias, docerias, confeitarias com o nome fantasia em homenagem às avós. Vó Cema, vó Dite, vó Carmem, vó Tita, vó Dulce e por aí vai.

Hoje mesmo comprei um suco de laranja de caixinha com a estampa de uma vovozinha bem lindinha, dedicada, em que a mesma colocava o suco no copo para o neto, que a olhava com admiração e afeto. Uma caixa convidativa às memórias dos anos 60, quando as avós ainda ficavam em casa para que a mãe pudesse trabalhar – não em defesa de um sonho, uma realização profissional – mas para complementar a renda.

E muito me entristece os caminhos que a sociedade resolveu trilhar sem as avós – como eram nos tempos passados. Digo sem as avós porque o mundo tem pressa e se inventou que tudo tem que ser novo, bonito, eficiente. Rugas não, ai credo! Tem que ser lisinho. Cabelos brancos nem pensar. Caminhar devagar, falar pausadamente, ter olhar brilhoso com pequenas coisas... nada disso interessa. O que vale mesmo é o novo, o descartável, o bonito, o veloz, o industrializado com marca “da onda”.

Mas acontece que as pessoas, sobretudo os jovens, precisam de segurança emocional para ter algum equilíbrio, saber enfrentar desilusões, frustrações que inevitavelmente virão. Precisam de algumas certezas, de algumas falas de valorização da memória, da história e da construção da família e suas significações. Mas os jovens não sabem ou não conseguem verbalizar isso. Sentem vergonha, quem sabe, de olhar carinhoso para o passado, perguntar, saber que as pessoas eram muito mais pobres que hoje e nada havia de constrangedor nisso. As pessoas viviam no trabalho e a sua honra também residia ali. Penso que não gostam ou não querem saber de um passado sofrido quando, hoje, tudo é tão fácil, tão prático e virtual que não pensam em gastar o seu tempo ouvindo o que acreditam estar velho e mofando nas mentes tardias.

Vó tem coração pulsante e visão ampla da existência. Foi a minha avó que me ensinou a enxergar o social e suas falas, tantas vezes carregadas de sutilezas e reticências. E ensinou também a agir no bem. Cotidianamente. Vó de alma competente, justa e nunca ajeitando as coisas do mundo para que tudo ficasse conforme a vontade dos seus.

O mercado percebeu esse fosso entre as existências, essa vontade de possuir o olhar cálido e preciso de uma santa avó, que fazia questão de ensinar princípios religiosos e valores éticos a qualquer hora e com muito boa vontade e sempre acreditando na vitória da vida.

Pobre juventude que se tatua no rosto, braços, costas, pernas para chamar a atenção. Pobres jovens que se deitam sobre uma moto acelerada e vão pelos caminhos do mundo à procura de não sei quê. E quando adentram na confeitaria com o nome da vó Tita, por exemplo, o que desejam mesmo é saborear uma doçura distante, envolvendo todos os sentidos, intimamente, qual neblina que se distancia assim que se acelera o carro nas estradas da vida.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 19/11/2015
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