MEMÓRIAS ( 11 )


O Golem é um boneco feito de barro e cola. Ele não fala. è empregado da casa. Não deve nunca sair. Na sua testa está escrito
"Emeth" (Verdade). Cada dia que passa ele cresce e fica mais forte. De medo, a primeira letra é apagada de sua testa, para que ele fique apenas "Meth" (está morto); então ele se desfaz e volta a ser barro.
(G.B.Scholem, A Cabala e o seu Simbolismo, Payot).*

Em um recente encontro familiar, andei fazendo algumas perguntas, apenas para saber se os fatos que relato têm razoável relação com a realidade. Exceto no caso das injeções, quando eu era bebê (reconhecia o farmacêutico e chorava muito), as minhas lembranças se confirmam. Admito, porém, que não busquei informações detalhadas demais. Importa-me a lembrança das experiências e seu significado para mim; talvez uma compreensão maior de certas atitudes recorrentes. O fato real pertence ao passado.
Nossos vizinhos eram amigos de meus pais. Eram uma senhora e seu filho; D. Maria e seu filho, Jacques. Eram as meias dele que eu esfregava; as transgressões alimentares era ela que permitia. Ela nunca falou meu nome corretamente:- Venha cá, Nesinha, ela dizia, vamos repartir esta manga verde...acontecia também de ela estar costurando, cozinhando, cuidando do "loro" pra lá e pra cá, ou simplesmente estar acertando o fumo, acendendo seu cachimbo, enquanto conversava comigo.
Pode ser que as proibições de ir à casa dela viesem como castigo por alguma arte, já que mamãe gostava dela.Provavelmente não havia muita diferença entre estar na casa dela ou na minha, principalmente depois que minha mãe, para me atrair, começou deixar que eu lavasse a louça.Eram duas bacias, uma com água morna e sabão e outra com água, inicialmente limpa, cada uma sobre um banquinho, diante das quais eu passava algumas horas, mas eu fugia.
Pode ser que D. Maria, que já era mais velha, tivesse mais tempo para mim. O fato é que eu gostava de estar com ela.
A nossa casa era assobradada e contornada por uma cerca de ripas, pintadas de marrom.Havia um porão. Minha irmã era pequena, ainda dormia no berço, mas uma das grades já não era usada. Quando maãe não queria que saíssemos, ela colocava nossos brinquedos no porão, trancava a porta e deixava a janela aberta. Com muito jeito, acabava convencendo minha irmã a segurar os objetos que eu empilhara para pular a janela, prometendo que depois a ajudaria a sair e ela sempre caía na minha conversa (ela diz que não sabe porque!).Mas ... se eu a ajudasse a sair, ela iria contar o que acontecera. Então, eu a deixava no porão, pegava a grade do berço e pulava para fora. O lado externo era mais alto, não havia dificuldade.
Quando tudo era descoberto, apanhávamos as duas e voltávamos para o porão. Mas dessa vez, a brincadeira era normal, estávamos brincando no quintal, à vontade. Tive idéia de colocar a grade para pular para a casa da vizinha do outro lado. Ali havia crianças e nós brincávamos normalmente, cada qual do seu lado. Mas ...eu inventei! Não havia porém diferença no terreno. a altura era igual dos dois lados. Depois de apoiar a grade e subir, quando fui passar para o outro lado, a grade escorregou e eu fiquei presa pelo pescoço, entre duas ripas, sem ter apoio. Foi um grande susto! Deram sumiço na grade do berço.