Falsa percepção

Começou com um “Vamos comprar o refrigerante!”. Nós três estávamos com fome e a mãe da Julia fez bolo para janta. É estranho comer bolo no jantar. A mãe dela não gira muito bem, porém a minha não é lá muito normal. Quando o bolo foi feito, esperamos esfriar enquanto assistíamos um daqueles programas locais de entretenimento bem brega.

Quando o bolo esfriou, fomos comer, e sentimos falta do bom refrigerante. Denílson sugeriu uma vaquinha para comprar o refrigerante. Dei dois e cinquenta; era a mais rica do trio. O resto levantou pouco mais de um e quarenta. Tínhamos agora o dinheiro, então falei: Vamos comprar o refrigerante!

Saímos da casa da Julia e andando um pouco achamos uma rua que na outra esquina tinha uma mercearia. Caminhamos até ela quando nos deparamos com um carro com os faróis altos. Como a rua estava muito estreita, haviam vários carros mal estacionados, seguimos enfileirados e esbarramos no retrovisor do carro.

Seguimos rindo e olhando para atrás. O carro parou e paralisamos. Achamos que algo tivesse quebrado. Foi quando ele deu a ré. Corremos feito loucos sem olhar para atrás. O carro parecia caro e se alguma coisa tivesse quebrado não poderíamos pagar.

Pensamos em conjunto enquanto corríamos: “Quebramos o carro, e agora vão nos fazer pagar. Vamos comprar o refrigerante e correr pelo outro lado da rua, até chegar na avenida e então despistamos ele”. Demos uma olhada para atrás e o carro não estava mais lá. “Ele desistiu e deve ter ido para onde queria ir”, pensamos mas...

Não fizemos o que planejamos. Voltamos pelo mesmo caminho, e infelizmente o carro havia dado uma volta e nos pegou de costa. Continuamos andando como se não fossemos culpados, embora o que fizemos pareceu suspeito: Cada um foi para um lado da rua e eu fiquei no meio. Ficamos separados, assim a fuga estava mais garantida.

E no mesmo lugar onde esbarramos no retrovisor, o carro me alinhou. Fiquei lado a lado dele. Coloquei meu boné para atrás tentando passar a ideia de ser uma “garota de bandido”. Dei alguns passos, acelerei e ele também. O vidro desce o suficiente para mostrar os olhos de uma mulher que me encarava.

No instante que percebo o seu olhar eu escuto o som tocado no carro: “Tiro pra caralho. Tiro pra caralho”. Agora deu. Estou morta. Esbarrei e devo ter quebrado o retrovisor do carro d’algum traficante. “Eu vou morrer, minha família vai morrer e quem eu gostar também vai morrer”, pensei. Eu fiquei em choque. Então o dono do carro desce e me diz:

-Olá, você se machucou? Esbarrei o carro em você e quando fui dá a ré vocês correram. Dei a volta pela a outra rua para ver de vocês, e agora estou aqui.

Dá para acreditar? Ele só queria saber se estávamos bem. Às vezes eu esqueço que a maioria das pessoas são boas. Percepções... quem precisa delas?