O beiju da vida
Ela entrou e permaneceu atenta, com um olhar encabulado e coberto de susto.
Vacilou em dar alguns passos. Afinal de contas, lá estavam alguns escritores, seres mágicos e inatingíveis, com suas poses magnânimas e olhares soberbos.
Claro, eu não concordo com isso, ainda mais que eu mesmo estava entre esses escritores.
Estávamos lançando um livro de artigos literários. Café quente, bolachas, garrafa d´água, pouca gente.
Batia um vento velho e morno no ambiente, forrado de livros e pessoas carrancudas. Alguns poucos sorriam, outros viviam, e assim as roldanas foram girando.
Ela aproximou-se um pouco mais, indo em direção aos livros. Tocou, olhou, folheou um deles.
- Minha filha adora ler!, disse, com receio.
Os escritores olharam-na sem vontade. Disseram o preço, mas com quem diz:
- Vá, este não é o teu lugar.
E ela queria tanto que sua filha visse aqueles escritores...
*
Levado por minha amada, fui depois ao encontro da senhora. Judiada, toda cansada em seu uniforme de trabalho.
Coloquei uma dedicatória – Celine, a filha, ficaria encantada! - e entreguei-lhe o livro. Houve alegria, verdadeira e humilde alegria.
Lá, naquela barraca de tapioca, eu me tornei o ser mágico e inatingível.
Logo eu, ladrão das palavras já postas, psicopata das conjunções, fui colocado como o ser de importância extrema. Já ela, D. Marinalva, agia como um ninguém, apenas um ser que sobrevive; a Macabéa, que não descansa.
Ah, Marinalva, se soubesses que, exceto o nome de minha amada, jamais escrevi algo belo, algo mágico, algo eterno; se soubesses que as tuas tapiocas são a medida exata do mundo, que adoçam e alimentam bem mais do que meus parágrafos fragmentados... Talvez assim, dessa forma, teria certeza de que é muito mais importante do que eu, homem quieto e rude e triste.
E assim foi, naquele dia que teimará em sobreviver, naquela tapioca sempre quente na boca de um sonhador.