Um herói a menos

Ontem falei sobre a justiça feita pela polícia. Justiça essa que vinha sendo feita com consentimento da população, e que, não tem em absoluto nada a ver com a real justiça.

Pois bem, hoje eu irei falar do outro lado da moeda. Há sempre um outro lado da história, mas veja bem, não deve se justificar um ato bárbaro seja qual for a explicação. Pretendo com isso apenas mostrar que a realidade é cruel, seja para um garoto pobre que não teve direito à defesa, quanto para um policial que apenas fez aquilo que, inevitavelmente iria fazer.

Acontece que todo policial no Brasil é antes de tudo um ser humano. Muito além disso ele é um herói. Ou pretendia ser. Mas a vida difícil leva qualquer um a situações difíceis. E por difícil entende-se toda e qualquer situação imaginável que um policial acaba passando em alguns poucos anos de atuação em um país deseducado como o Brasil.

Quando falo em herói não acho um exagero meu. Analise quanto um policial militar ganha por mês no Brasil e as condições em que ele acaba sendo colocado e pergunte-se: Quem quer ser policial no Brasil? Simples, um herói.

Alguém que sonha em fazer o bem, o certo, o justo. Mas o que leva um policial que sonha em defender com sua própria vida toda uma população a subir uma favela e atirar contra garotos pobres dizendo que eles eram bandidos? O processo. Ele passa por um processo de destruição de tudo aquilo que acredita e vai aos poucos se tornando quase o vilão que queria combater.

Esse processo inicia-se quando depois de se formar o policial passa a interagir com outros policiais já formados a muito tempo. Então seria uma maçã novinha dentro de um cesto cheio de outras maçãs já apodrecidas, algumas delas propositalmente prontas para apodrecer as mais novas. Quanto mais maçãs ruins tiver no cesto melhor.

Aos poucos o herói que antes queria mudar o mundo, agora deixa-se levar por uma salário ruim, um treinamento meia boca e sobe uma favela onde as pessoas estão furiosas. Furiosas não com ele, mas com todos os outros. Daí ele acaba sendo incluso neste ódio.

A felicidade da primeira prisão só é substituída pelo gosto da decepção de ter de ver quem prendeu sair algum tempo depois do lugar onde deveria ficar muito mais tempo. Então ele o prende de novo. E soltam de novo. E o policial de cabeça baixa volta pra casa e no caminho assiste a morte de um colega. Dois garotos em uma moto descarregaram suas armas em quem, assim como ele, tinha tantos planos, tanta vontade de proteger e servir.

O tempo vai passando e a rotina continua a mesma. Logo o herói começa perder a capa, a máscara e a roupa. Esse herói torna-se um anti-herói. Começa ali a morte daquele que queria ser diferente. Mas como ser diferente em meio a tudo isso?

Quem tem o controle deveria saber. Mas ninguém muda nada. Mudanças trazem consequências, e quem tem o poder, quer manter-se no poder. Só isso. Então julgamos e condenamos sem nos dar conta que o policial aqui é o processo. Ou você vira ou você morre.

Alguns filósofos diriam que você não se torna, você sempre foi. A ocasião revela o ladrão.

Então nessa lógica o mau policial sempre foi mal. Eu acredito nisso. Mas mais do que isso creio que o processo é real. Ele muda sim uma pessoa. O medo pode mudar alguém. A falta de esperança pode moldar alguém. Assim se criam vilões. Quem deveria ser herói agora é vilão. Somos uma perfeita fábrica de fazer bandidos. E somos muito bons nisso.