A menina de patins

A vida não anda nada fácil, é o que dizem. Eu concordo. Acho que o fim de ano traz uma infinidade de sentimentos ruins, talvez até mais que sentimentos bons. É arrependimento pelas coisas que fez, pelas que não fez, medo de fazer de novo ano que vem, medo de não ter a chance de fazer. Tudo isso e ainda por cima é segunda-feira.

Por isso resolvi dar uma pausa. Não importa como andam as coisas lá fora é sempre bom às vezes dar uma pausa. Então resolvi contar uma história que me aconteceu há muito tempo. Uma lembrança que guardo com carinho de uma das épocas mais felizes que tive.

Eu havia mudado a pouco para um bairro simples e tinha poucos amigos. Meus pais abriram um pequeno negócio para pagar as contas. Um bar, que alguns anos mais tarde veio a falir. Eu estava na primeira série e a escola era agradável. Ninguém me incomodava ou zombava de mim, situação diferente da que alguns anos mais tarde teria de enfrentar.

Mesmo assim fora da escola eu não me enturmava muito com os meninos da rua. Era tímido e muito covarde. Meninos daquela idade queriam aventuras e eu tinha medo de quase tudo. Foi quando a conheci. Não lembro seu nome, mas lembro do cabelo crespo sempre desarrumado. Morava a alguns metros da casa dela e foi por acidente que fui parar lá.

Ela estava andando de patins na calçada e isso chamou-me a atenção. Nunca havia andando naquilo. Ela então ofereceu para mim tentar. Relutei um pouco mas ela estendeu os braços e disse que iria me segurar. Senti-me seguro com ela. Na verdade sentia-me tão seguro que resolvi tentar. Para minha alegria na primeira tentativa o chão foi o meu destino. Confesso que doeu. Porém antes que as lágrimas escorressem pelo meu rosto ouvi uma doce risada e em seguida uma mãe estendeu-se a mim. Aquilo foi o suficiente para voltar a ficar de pé.

Depois de algumas tentativas eu estava andando. Meio desengonçado mas andando. Foi o dia mais feliz da minha vida. Pelo menos até aquele momento.

Os dias se passaram e eu pedi para meu pai comprar-me um patins também. E assim meus dias seguiam em frente. Nós descíamos a ladeira do bairro todos os dias. Assim de patins. Juntos. Sinceramente não sei como não casei com ela. Éramos perfeitos. Juntos.

Mas a felicidade atrai pessoas infelizes que só querem uma oportunidade para te tirar desse lugar mágico onde você está. Logo alguns meninos que nunca haviam se importado comigo chamaram-me para andar de bicicleta. Queriam que andasse com os meninos. Queriam que eu fosse da turma. Um dia meu irmão mais velho viu aquilo e concordou com eles. Eu tinha de ser normal e brincar com os garotos.

Eu nunca vou esquecer do fatídico dia em que ela veio até mim de patins e eu em cima de minha bicicleta verde recusei com o coração na mão. Ela então virou-se e foi embora. Dali e da minha vida. Nunca mais brincamos juntos.

Pouco tempo depois tivemos de nos mudar pois o bar iria fechar. Assim se encerrou minha triste e curta história. Acho que toda vez que eu olho pro passado lembro-me da garota e seu patins. Eu ainda volto lá às vezes. Não fisicamente, mas ainda volto lá. Para lembrar me que não posso deixar de lado minha felicidade para agradar quem quer que seja. Serei eu o que for, mas nunca deixarei de andar de patins com a menina. Nunca mais.