Somos descartáveis?

Descartável: que não se destina a conservar nem a consertar, que se deita fora após uma ou mais utilizações. Facilmente substituível. Ou então, que se caracteriza por ser passageiro, sem importância ou profundidade. Essas são as definições que o Google me deu. E são possivelmente às mesmas que se referem as pessoas quando dizem que nos tornamos descartáveis. Mas eu não acredito nisso.

Em uma peça que fiz, havia uma fala que por acaso dizia que, quanto mais a gente cresce, mais difícil fica lidar com a liquidez das relações. Dizia que descartável deveriam ser as coisas, talvez nem elas, não as pessoas. As pessoas são insubstituíveis, sugeria. E são. E não seria possível nem convincente se eu, encenando essas palavras, não acreditasse nelas. Quando foi que nos tornamos tão vulneráveis à crença de que somos feitos de plástico, daqueles que se utiliza sem critério ou economia nas festas de criança? Quando foi que deixamos de lado a boa vontade de conhecer verdadeiramente alguém, com a paciência que o tempo exige e a dedicação que a gentileza implora? Não somos descartáveis, embora a indiferença com que alguns tratam outros seja inegável, a falta de comprometimento seja rotineira e a desvalorização seja valorizada. Não somos descartáveis, embora haja aquela imbecilidade de acreditar que estamos vivendo tempos de desapego e que isso é bom. A verdade que as pessoas levantadoras dessa bandeira moderna escondem de si mesmas é que não têm coragem. São medrosas. Vivem com o peso do receoso "e se" e recuam em direção à segurança, à comodidade. Escolhem não sofrer mas também escolhem não ser feliz, porque o amor tem disso. Ora esfria, ora esquenta. Ora morde, ora assopra. Não estão dispostas a encarar frente a frente os riscos e rabiscos de um relacionamento porque já pensam no amanhã que não existe, no desastre hipotético. E, ainda se for real, não entendem que há aprendizado na dor. Por isso, é melhor desapegar. Assim, ninguém se envolve, ninguém se ilude e ninguém é taxado de trouxa.

Talvez na sua cabeça haja mil e uma razões para discordar de mim. Tanta gente passa pela nossa vida, umas ficam mais tempo que as outras, mas acabam deixando a casa vazia um dia também. As chances de a maioria delas, especialmente em amizades e namoros, serem quase que insignificantes aos nossos olhos é grande. Eu sei. Algumas se parecem muito, tanto que às vezes trocamos os nomes e comparamos atitudes. Mas disto tenha certeza: nenhuma é igual a outra. E nem precisa. Ainda bem, aliás. Já pensou que chato? As pessoas são sim insubstituíveis. Cada uma carrega uma história, uma personalidade, um sonho. Mesmo se tivéssemos um mesmo caminho para seguir, uma única opção, ninguém faria a trajetória da mesma forma. Mesmo quando a gente acha alguém para tapar o buraco de outro, nunca tapa. O buraco cicatriza e a pessoa que você achou para tapá-lo, vai cavar outro. Ninguém substitui ninguém em nada. Ninguém faz da mesma forma e no mesmo tempo a mesma coisa que outro alguém. E a graça está nessa peculiaridade que é você, que sou eu. Estamos caindo no terrível vício da coisificação do humano e humanização das coisas. Não somos coisas. Nem as coisas são apenas coisas. Conscientize-se da importância de um olho no olho, de uma conversa sem dígitos e de uma percepção real da essência de cada um. Você nunca mais vai dizer ou sequer concordar com essa equivocada ideia de que somos descartáveis.