Explosão de cores

Ela encarou com firmeza seus olhos infantis em frente ao espelho.

Eles eram grandes e castanhos, ligeiramente rasgados em direção às têmporas. O branco puro de sua íris revelava um tom levemente avermelhado das lágrimas de algumas horas atrás.

Com a leveza de uma artista, ela alongou um dos olhos com os dedos e contornou sua pálpebra com um traço preto. Resquícios de olheiras escuras se insinuavam sob a maquiagem. Mas era preciso se adornar, seguir um pouco o protocolo daquelas festas que encerravam o ano. Virada, Reveillón, vestir branco, desejar paz... Ela se sentia cansada de tudo aquilo. Não estava para festas. Não queria vestir sorrisos que não lhe serviam. Na verdade, ela só queria paz. E a paz que ela queria, ela sabia, não a encontraria ali. Sua paz estava a quilômetros de distância dela, provavelmente vestido com um jeans surrado e uma camiseta desbotada - que não era branca. Provavelmente, sua paz estaria com um ar bucólico e distante, dedilhando sua guitarra antiga, cantarolando uma canção de Johnny Cash. Seu peito se enternecia quando visualizava essa imagem displicente daquele jovem músico. "Guitar Man" era como ela o chamava, inspirada em uma música dos longos anos 70. Naquele instante, imaginou-se ao seu lado, palpitando em suas notas musicais, fazendo zilhões de perguntas infantis sobre como aquilo tudo funcionava. Ele explicaria cada detalhe com sua voz mansa e grave, e ao final, faria uma brincadeira, que só quem a conhecesse bem conseguiria fazer com tal doçura e certeza que a faria rir. Provavelmente, ele descansaria a guitarra ao seu lado e os dois se olhariam por um longo tempo, até que suas energias se sintonizassem de tal forma que seus lábios não pudessem mais estar separados.

Um estrondo de artifício lá fora trouxe-a de volta ao dia em que se veste branco (ela vestia amarelo). Faltava pouco menos de uma hora para que, segundo os otimistas, todos os problemas ficassem para trás. Ela se sentou na varanda, de luzes apagadas, esperando pela hora final. Um vento fresco soprou em sua face e desalinhou seu cabelo, atado displicentemente no topo de sua cabeça. Foi então que ela ouviu o som de blues invadir o ambiente. Seus olhos brilharam quando ela fitou a tela do smartphone e viu que a chamada vinha de um reino distante. Vossa Alteza disse "alô" daquela mesma forma firme e terna de sempre. Ela fechou os olhos e sorriu.

Meia noite. Fogos coloridos cintilavam e explodiam dentro dela.

Seu coração estava em festa.