Era Apenas Vinte e Quatro de Dezembro, Mas...
Vinte horas, 24 de dezembro. Silencio na sala, silêncio na alma. Eu na cadeira de sempre, onde me encontro com minhas dores, alegrias, trabalho, ou simplesmente nada. Lugar preferido ou talvez, lugar comum, para mim.
No canto da mesa, minha filha e o computador.
Não sei o que se passa, pelo menos por enquanto.
Na alma, minha, certa estranheza que vim cultivando desde que o dia amanheceu. Despi-me de todo sentimento, como se isso fosse possível numa alma leve.
TV ligada... Vou trocando de canal quase que automático. Sintonizo na Eparaná. Está começando o balé Quebra Nozes. Alma começa ficar leve. Gosto de arte, e acho o balé uma das mais completas. Gosto da linguagem do corpo.
Arrisco pequenos comentários com minha filha que também está com o coração menor que um grãozinho de areia.
O silêncio continua reinando. Como se as palavras ao saírem fizesse desaguar um turbilhão de sentimentos que estamos evitando. Nem mesmo a nossa cumplicidade quase telepática nos fez arrancar o nó da garganta para dar passagem às palavras. Quem sabe foi essa cumplicidade que nos emudeceu.
Nosso primeiro Natal sem ceia, sem casa enfeitada, mas principalmente sem Ele... Figura importante que perdemos a cinco meses de forma muito trágica e dolorosa.
Outras lembranças também nos invadem, a mais forte, nosso menino de ouro, mas essa já aprendemos a conviver com mais tranqüilidade mesmo com muita saudade.
Discretamente sai para substituir o meu presente. Houve um imprevisto e o presente planejado não veio. Mesmo assim, ao sabê-lo senti uma enorme emoção e pude imaginar as cores e até o cheiro que em algumas flores dizem quase não existir. Mas toda flor tem cheiro na sua essência. Entregou-me o notbook e a carta que acompanharia as flores. Aliás, a carta era o verdadeiro presente. Alma nua e transparente em cada palavra.
De leve saiu para o quarto enquanto eu lia. Minha alma se encheu de emoção, saudade, presenças, poesia, vida!
Fui até o quarto e num abraço nossas dores se cruzaram. Sentimos todos os sentimentos do mundo. É ali, naquele abraço que sinto a vida renascer.
Dormimos no mesmo quarto com a desculpa de aproveitar o mesmo ar condicionado... Na verdade queríamos mesmo era dividir nossos silêncios e presenças.