O retrato do Barão

Aquele quadro me intrigava. Não pelo fato de ser o único na sala, mas por se tratar do retrato de uma pessoa nada parecida com alguém da família e, principalmente, pelo respeito com que vovô o reverenciava.

Vovô é mulato, de uma família de mulatos. A pessoa do quadro é branca, de porte altivo, olhar autoritário, cabelos negros e lisos, vasto bigode e cavanhaque. Imponente!

Decididamente, não seria meu antepassado. As possibilidades, pelo lado do vovô, já as havia descartado. Só restava vovó, que era alemã, de olhos azuis, mas aquele senhor, positivamente, não se parecia nada com um Schneider.

Um mistério, o homem da parede!

Durante minha estada naquela casa, fui testemunha da veneração de vovô pelo quadro. Todos os dias, invariavelmente, num ritual, detinha-se durante algum tempo, olhando para o cavalheiro, numa atitude humilde, quase cômica, com seu chapéu de palha à mão.

Como não tivesse coragem de fazer perguntas, dava asas à imaginação e assim permitia que a curiosidade me consumisse.

Sessenta dias se passaram! Sessenta dias levantei mais cedo, só para assistir a cena, que ainda hoje guardo indelével na memória.

Quando papai apareceu, para buscar-me e chegada a hora de partir, reunimo-nos na sala, para as despedidas e, então, corroído pela curiosidade, não resisti, não poderia viajar com aquele fardo e, em meio as vozes que enchiam o recinto, perguntei a papai de quem era o retrato. Calaram-se as vozes! Vovô pigarreou e respondeu orgulhoso:

- Este é o Barão Tolentino da Costa, meu avô.

Fiquei pasmado e minha incredulidade transpareceu a tal ponto que todos riram.

Era uma longa história, da qual tomei conhecimento durante a viagem de volta para casa. Papai contou-me tudo.

Hoje sei que o famoso Barão, um rico fazendeiro e dono de muitos escravos, é meu trisavô.

Agora entendo vovô: pendurado naquela parede, está nada menos que o atestado de sua alta linhagem.