PISANDO EM BARATAS

Todos os moradores do prédio foram avisados que havia sido descoberto um ninho de baratas,no subsolo da garagem. Todos também foram avisados que o veneno para exterminar as cascudas, seria jogado em tal dia e tal hora.
O comunicado não chegou a me incomodar,porque eu tinha coisas demais para fazer na rua e demoraria para voltar ao prédio.Guiça… só a noitinha.
Antes de sair,dei ordem á faxineira que colocasse veneno nas soleiras das portas da cozinha,da sala e também dos elevadores no meu corredor.
É sabido que as baratas,para fugir do veneno,sobem em massa pelo poço do elevador,e acabam adentrando escadarias e apartamentos do prédio.A gente sabe disso e já esperávamos topar com uma ou outra cascuda esperneando pelo chão da garagem ou correndo desorientada pelo saguão do térreo,quando voltassemos para casa. Mas nem desconfiávamos, que a situação acabaria tomando contornos assustadores…inimagináveis.
Fato é, que quando chegamos no prédio a noite e descemos do carro,tinha tanta barata morta pela garagem,que ficava difícil achar um lugar no chão para por os pés. A maior parte já estava morta,outras jaziam de costa, esperneando as pata peludas, e outras ainda se arrastavam sem rumo pelo granito frio. Nunca vi tanta barata na vida. Minha filha gritava,eu gritava,e o carro estava um pouco longe do elevador.
- Mãe vamos voltar pro carro.Vamos parar mais perto do elevador.
- Não dá, eu disse avaliando as poucas vagas de carro que estavam vazias. Não tem nenhuma vaga de carro desocupada perto do elevador.
Continuamos andando confusas e apavoradas.De vez enquanto escutávamos um crasch embaixo dos sapatos.
- Ai que nojo mãe.Éca…éca…minha filha torcia o rosto todo com cara de asco.
- Tamo chegando perto do elevador,eu disse horrorizada…procura dar passos mais largos.
A pressa para entrar no elevador era tanta que não nos demos conta de que as fugitivas invasoras,poderiam estar em qualquer lugar…em todos os lugares.
Afoitamente abrimos a porta do elevador e meia dúzia delas despencaram do alto,quase em cima de nós.Quase desmaiei. Minha filha gritava e se esperneava toda. Parecia alguém tendo uma crise de convulsão.
Entramos no elevador ressabiadas,e assim que a porta fechou,novamente o terror.Pelo teto de vidro transparente e iluminado do elevador,pudemos notar manchas negras e peludas,andando de um lado a outro.Qualquer hora uma delas poderia descer pelas laterais da parede.E a gente trancada alí dentro,com o elevador subindo.Nunca na minha vida,vi um elevador demorar tanto para chegar no terceiro andar. Parecia uma eternidade. Noite de terror.Devia ter ouvido minha intuição e subido pela escada.
Esse ninho de barata vai ficar na história aqui do prédio.
Dia seguinte,já dentro do carro para levar minha filha na acupuntura,ficamos ressabiadas com medo que alguma das cascudas tivessem se amoitado embaixo dos bancos.Tudo parecia normal e eu já estava passando pelo portão da garagem,quando senti alguma coisa roçando meu tornozelo.Brequei violentamente,sapateando e chacoalhando as pernas feito louca,ao mesmo tempo que descia do carro,para procurar alguma meliante cascuda embaixo do banco. Mas aliviada, descobri que era apenas a tirinha preta de uma sombrinha,que estava guardada ali. Foi por pouco que o portão da garagem não fechou no carro.Que susto !
Espero não ver de novo uma barata tão cedo. Eu e minha filha estamos traumatizadas.Toda vez que descemos para a garagem,entramos em pânico por conta de qualquer manchinha preta que a gente ve no chão.
Franz Kafka que me perdoe,mas escolheu o pior inseto do mundo para se metamorfosear.

                                                             
Maat / 2015


 
Maria da Penha Boselli
Enviado por Maria da Penha Boselli em 19/01/2016
Reeditado em 19/01/2016
Código do texto: T5516321
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