E lá vem aquela dúvida novamente que serviu até de propaganda de biscoito: vende mais porque é mais fresquinho, ou é mais fresquinho porque vende mais? Pois é, será que alguém já respondeu esta enquête encerrando a questão? Acho que não, temos coisas mais importantes a tratar. Por exemplo: as poluições que nos assolam no dia-a-dia sem que percebamos sua presença. Refiro-me a uma em especial: a poluição sonora. Serei na verdade ainda mais detalhista: à musica, irei me referir. Puxa, serei ainda mais específico: ao funk e ao pagode. Sinceramente eu não agüento mais não agüentar mais. Olha, perdoem os funkeiros e pagodeiros, até porque já estou sendo muito bonzinho. Não sei se repararam, mas chamei funk e pagode de música – que Beethoven não se remexa muito em seu sepulcro e que Elton John não suba nas tamancas, mas chamei. Fico pensando e medindo se devo ou não emitir ao meu filho o que acho da “coisa” que faz ele se remexer todo – quase todo, o garoto é macho – nossa, que preconceito horrível! Mas é verdade. Será que eu devo dizer ao meu filho que o que ele ouve, a mim parece ser o lixo do lixo, que não serve mais ao lixo e que não se é possível reciclar? Pô, como ele mesmo diz – noutra linguagem que não desce sem arranhar os tímpanos – mas como ele mesmo diz: “Fala sério!”.

Lembro-me de ter visto sensações semelhantes no gestual de meu pai quando este passava pela porta de meu quarto e me flagrava ensaiando alguns passos ao som de “Staying Alive”.

 

  -  Meu Deus! Um filho “viado” era só o que me faltava!  Rapaz, desliga esse lixo! Que coisa horrível, é sempre a mesma batida, sem falar nesses homens imitando voz de mulher.  Sei não, hein...

 

Palavras de meu velho pai, que hoje ouve as harpas do Senhor. Ah meu pai... Sinto saudades. Mas o velho não podia ouvir Bee Gees, Donna Summer, Sisters Sledge, Earth, Wind and Fire – coisas de bom gosto (eu achava, e acho), mas meu pai ficava louco ao ouvir os melhores daquele tempo. Ele dizia não entender como alguém podia gostar daquele lixo. Engraçado... Aí reside o motivo de minha preocupação e de minha dúvida. Será que os funks e pagodes de hoje têm a mesma qualidade musical dos sucessos da discoteca dos anos 80 e 90? Será que não sou um velho reacionário quando enquadro o meu filho ridicularizando aquilo que ele ouve. Pois sabem de uma coisa? Eu acho que não – o problema é que meu pai também devia achar.

No meu entender – em minha tese usada para perdoar a consciência – eu penso o movimento da “discoteca” como um movimento criador de um comportamento social e não fruto deste. Penso a discoteca como penso o Rock nos anos 50 a desbravar e aniquilar aquela lentidão sonora que parecia fazer a Terra girar mais devagar. Bill Harley e seus Cometas, Elvis, Chuck e outros monstros daquele tempo não foram frutos de uma sociedade empobrecida, deprimente e ignorante. Ali não encontrávamos a falta quase que total de cultura, conhecimentos mínimos de vocabulário e nem a falta de imaginação estrondosa que vemos nas letrinhas que acompanham batidas funkeiras e pagodeiras. Aquilo foi um movimento social, assim como seria o movimento das discotecas. Puxa, questionar a qualidade dos artistas e bandas citadas acima é apelar demais para um “eu acho porque acho”. – Essa também era uma das frases do meu pai quando eu lhe questionava sobre sua opinião a respeito das músicas que eu curtia àquela época. “Eu acho porque acho...” Muito engraçado e pouco contundente para uma discussão mais elaborada. Mas esse era o meu pai. 

Minha opinião a respeito do funk e do pagode em relação direta ao momento social pelo qual vivemos é de que esses “ritmos” são frutos deste momento social e não propulsores. As melodias são paupérrimas, as letras... Meu Deus do Céu! O problema é que todas as gerações que ouviram música muitas vezes as usavam para produzir opiniões e seus próprios “modus vivendi”. Refiro-me aos cabelos grandes, calças boca-de-sino, maneiras de expressão e a própria visão sobre o amor, a política e o próximo.  Isso é muito perigoso! Será que os rapazes que espancaram a doméstica, “confundindo-a com uma prostituta”, gostam de ouvir Bee Gees, Caetano Veloso, Pink Floyd? Eu duvido muito. Reparem que o surgimento destes ritmos coincide com a degeneração do Ensino Público no país, com o crescimento das favelas e de localidades menos abastecidas de oportunidades de acesso à cultura, com o aumento da violência e outros sintomas de uma sociedade empobrecida culturalmente. Não estou aqui dizendo que o funk e o pagode levam o cidadão à violência. Digo e ressalto: os ritmos e o comportamento geral são frutos dos descasos impostos à nossa população como um todo. Sim, todos nós somos assolados por esse descaso. Acontece é que algumas camadas sociais têm mais oportunidades de se desviarem daquilo que lhes é impingido. Sim, não podemos colocar todos os rappers, funkeiros e pagodeiros no mesmo saco. Temos compositores como Zeca Pagodinho e Gabriel o Pensador, para citar apenas dois, que salvam a unanimidade do pensamento, mas a maioria...

Todavia, apesar de meu sentimento de asco em relação aos funks e pagodes, que só perdem em execução para as Sessões de Descarrego Radiofônicas – como se o capeta ouvisse rádio – esses tipos “musicais” vendem mais que água de coco no deserto – se lá vendessem água de coco. Tocam nas rádios mais populares – ou as rádios populares são populares porque tocam funk e pagode? ARG@#&*!!! Ó dúvida cruel!  Mas vendem. Um acompanhamento mais meticuloso mostrará que a grande maioria dos aparelhos de MP3, estejam eles pendurados nos pescoços de estudantes, boys, jovens advogados, secretárias, jovens de uma maneira geral, homens e mulheres, estarão tocando um funkezinho ou um pagodinho. Podem ter certeza! E aí eu me deito ao lado de Beethoven, quase morto por não agüentar mais essas delícias sonoras e me pergunto novamente antes de lhes responder: o funk e o pagode vendem mais porque são mais executados e ouvidos ou são mais executados e ouvidos porque vendem mais? Devo abstrair minhas opiniões em relação ao que o meu filho ouve, ou devo preocupar-me extremamente por ser meu filho vítima de uma opressora indústria da música que o obriga a ouvir um lixo que poderia muito bem ser substituído por algo que realmente prestasse e lhe agregasse algum valor? Eu sinceramente não sei a resposta. Prefiro seguir a minha dor e, como dizia a bela canção de Belchior: “minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”  Ah quando aquele moleque voltar da escola...