ESCREVER

Escrever nem sempre é tarefa fácil, muito mais em se tratando de textos predominantemente subjetivos, pessoais. Não me refiro aqui à ficção, invenção humana, embora também estes sejam subjetivos; refiro-me a textos que sejam um espelho, quase que fidedigno da alma do escritor. Aquele texto que foi tecido dado à necessidade momentânea de extravasar, de colocar para fora quer seja um dragão, que o devora por dentro e por fora; quer seja o Cordeiro que lhe aplaca seu instintos e o leva “às águas de descanso”.

É evidente e inquestionável que nesse último caso o texto será ovacionado por seus leitores, ainda que silenciosamente. Já no primeiro caso, alguns se identificarão ou não com o texto; outros, no entanto, olharão de maneira suspeita, lançando suas duras e pesadas críticas, seus julgamentos, isso para não dizer sentenças condenatórias, dado seus espíritos ascético, dado seus espíritos de superioridade e de domínio próprio, de auto-titulação de santidade.

Escrever é se expor; é, em uma linguagem mais popular, dar a cara à tapa. Escrever é despir a alma diante do Outro. Escrever é reconhecer que há dentro de si um “médico” e um “monstro”; é reconhecer que vez ou outra há “um impostor” dentro de si.

Tudo isso não é tarefa fácil, pois nos é muito mais cômodo ficar calado ou negar a existência desse “monstro”, desse “impostor”, representando de maneira teatral que tudo que há em nós é só virtude, que tudo que há em nós é só autoestima, que tudo que há em nós é só solidariedade, compaixão, empatia, alteridade... que só há em nós um homem paladino.

Quantos belos escritos deixam de vir à luz, dado o temor do escritor de expor sua franqueza, sua tristeza, sua inquietação, seu “espinho na carne”.

E por falar em espinho na carne, minha imaginação fértil me faz pensar como seria se o Apóstolo Paulo estivesse vivo e resolvesse escrever falando sobre suas lutas, sobre esmurrar o próprio corpo e sobre esse tal “espinho na carne” que tanto o perseguia. Certamente, muitos de seus amigos íntimos iriam fazer infundadas especulações sobre o que tanto o afligia e, por conseguinte, infundados cerceamentos iriam ser feitos em nome da boa moral e boa conduta. Em outras palavras, os amigos de Paulo iriam colocá-lo na geladeira por tempo indeterminado.

Assim, escrever para mim é, em determinados casos, muito mais que “outrar-se”. Escrever é revelar-se, é falar o que muitos gostariam de falar, mas temem vir à luz. Escrever é voltar do mundo real e descer à caverna e contar aos que ali ainda estão o que se passa lá fora, ainda que isto custe ser açoitado pelos seus pares.

Manoel Barreto
Enviado por Manoel Barreto em 23/01/2016
Reeditado em 26/01/2016
Código do texto: T5520890
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