O QUADRO

O QUADRO

Um odor forte, nauseabundo e fétido alcançou as minhas narinas, transportado pelo ar úmido e quente desta manhã. Fiz um gesto instintivamente, ao lançar o olhar, a procura de onde provinha tal odor. E, finalmente, como um bom caçador, um bom farejador, um bom observador encontrei.

Ali estava a causa. Movendo-se sobre a calçada, a alguns poucos metros de distância, de onde me encontrava. Outro movimento, impulsionado pelo meu instinto, ocorreu: parei bruscamente e enclausurei o meu oxigênio. Não sei se essa minha atitude foi pelo odor ou se pela cena, ou melhor, pelo causador do odor. Tudo isso porque, na velocidade da luz, pintou-se em minha mente um quadro terrível, não obstante real.

O quadro me fez fazer uma introspecção. E pude perceber quão inútil é minha vida. Acho que devido o sentimento de compaixão ter se apoderado de mim. Meditei sobre o descaso, para com a vida alheia. Questionei-me sobre o porquê de tais coisas e o que poderia fazer a fim de contornar uma situação como essa.

Foi aí que o sentimento de compaixão abandonou-me para dar lugar ao sentimento de impotência, de incapacidade, porque em minha frente estava um ser semelhante a mim, pelo menos no que se entende fisicamente, isto é: cabeça, tronco e membro perfeito. Mas o seu estado estava no estado de putrefação, ainda em vida.

Os seus cabelos todos desgrenhados, duros e coberto por uns farelos, talvez sobras de comidas que se misturavam com a sujeira, por falta de asseio pessoal. A sua tez estava coberta por uma camada, que mais parecia uma escama, de tanta sujeira. A roupa tinha perdido completamente a cor natural, para dar lugar ao negrume.

Foi aí que comparei-me com ele. Eu, vestindo uma boa roupa, sapatos nos pés, cabelos penteados, barba feita, estômago farto, uma casa para abrigar-me do sol e da chuva. Foi neste instante que agradeci a Deus e senti-me envergonhado, por tantas e tantas vezes, ter me queixado da vida. Eu sei que só isso não basta, que é preciso fazer algo mais. Que é preciso ser prático e solidário.

Mas por onde começar? Eis minha pergunta, pois ainda estou preso a mim, pois ainda estou preso aos meus sonhos, pois ainda sou individualista. Em todos os meus projetos, só existe lugar para mim e para os meus. Tudo que me vem à mão ainda é pouco.

Um real, dois reais, dez reais não iria resolver o problema. A causa é muito maior. O efeito é imensurável. Acho que situações como essa já escapou do controle humano. Pessimismo? Talvez! Mas o que realmente eu queria dizer com tudo isso é que “Deus está morrendo em nossas vidas”.

Manoel Barreto
Enviado por Manoel Barreto em 27/01/2016
Código do texto: T5525375
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