" Lembro das tardes que passamos juntos

Não é sempre, mas eu sei
Que você está bem agora

Só que este ano o verão acabou
Cedo demais."

- Renato Russo -

 

 

                                         A morte não é o fim, o amor é que é nosso desiderato final.


Quando eu "morrer", não quero homenagens nem velas, apenas preces em forma de versos...
Creio que a pior de todas as dores seja a dor do desencarne de uma pessoa querida. Se for um ente descendente, ascendente ou irmão, mais forte ainda.
Não estamos ainda preparados espiritualmente para viver com a realidade da não convivência física. O desenlace é muito atroz, mesmo se entendido como desígnio. Neste aspecto a religião ou religiosidade pouco ajudam. Não por falta de fé, absolutamente, mas como já dito, pelo singelo motivo de não sabermos ainda não contar com a presença física, com a visão real da presença, com o poder de sentir do tato, com o ouvir da voz.... Com o cheiro de vida.
Na seara religiosa, não obstante a força dos dogmas, estas não possuem o condão de fazer a dor sucumbir aos ensinamentos. Numa, apesar da crença da possível salvação, ninguém deseja ir mais cedo sentar ao lado guardado junto ao Pai. Sentar à mesa não é o banquete desejado. Noutra, ainda sob a égide da salvação conseguida e da espera do julgamento final, todos desejam adiar ao máximo o encontro com o Senhor no paraíso. Ainda em outra, apesar da certeza do reencontro com quem desencarnou e da necessidade de novas expiações, também se deseja protelar a inevitável evolução.
Drummond afirma que “a dor é inevitável”, neste aspecto, todos devem concordar. Ouso discordar do ilustre poeta em seu complemento, quando afirma que “o sofrimento é opcional”. Não Drummond, não o é. Não existe o livre-arbítrio da opção do não sofrimento com a morte. Obviamente que alguns sentem mais que outros. Mas todos sentem!
De forma mediata, e com a ação inexorável do tempo, a dor vai diluindo para ganhar feições novas. A feição da saudade. Umas mais fortes, outras mais leves e outras as vezes até efêmera. É a vida que segue seu tempo independente de nossos desejos e sofrimentos. Como poetisou Fernando Pessoa (Alberto Caeiro),
"Quando vier a Primavera, 
Se eu já estiver morto, 
As flores florirão da mesma maneira 
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada. 
A realidade não precisa de mim. "

Chico Buarque tem uma canção linda e triste que trata a saudade mais forte:
“ Leva o vulto teu,
a saudade é o revés do parto,
a saudade é arrumar o quarto,
do filho que já morreu”
Simplesmente genial. Triste, mas fantástico.
Mas existem mortes outras que acontecem sem ceifar vidas. É a morte não física, é o desenlace que desabita o coração. Com o tempo tornam-se bem semelhantes.
Algumas pessoas, com ou sem culpa, conseguem o despejo próprio da residência cardíaca que um dia lhes serviu para o inquilinato. Acontece no seio familiar, acontece com amigos, acontece com amores...
Os motivos residem em três pontos especificamente: Financeiro, poder ou passional.
Sob a égide do egoísmo, sob o manto da materialidade torpe, o vil metal faz quedar muita gente, faz cair muito sentimento. Todos conhecem alguém ou muitos neste caminho. Dinheiro acima de tudo, nada mais.
A seara do poder trilha muito próxima da financeira, e por vezes possuem uma estreita ligação e dependência.
No campo passional ocorrem as maiores “mortes” mesmo em vida.
Traições, desentendimentos, falta de diálogo, desconfianças, falta de respeito, e uma série infindável de motivos que terminam por culminar com fim de muitos relacionamentos. Infelizmente para muitos, os problemas não findam com o fim das relações, estendem-se desnecessariamente ao rancor ou travo de amargura que não cedem com o tempo. Uma espécie de peçonha que ao invés de terminar o que já não existe mais, acaba envenenando quem não arranca do coração o desencanto ou frustração, merecida ou não.
O amor as vezes troca de rosto, o amor as vezes não tem mais rosto, o amor as vezes morre. Mas o que não pode morrer é a certeza de que o amor sempre volta. Pode existir ressureição sim de um amor que já morreu ou parecia morto. Pode chegar um amor novo. Pode chegar um amor antigo. Ele sempre surgirá ou ressurgirá, pois Deus nos fez para amar.
Então não mate alguém que não mais te ama. Deixe-o viver. Viva, pois, a chegada de seu novo amor.
No campo da morte física, chora sim sua dor. Deixa as lágrimas lavarem o travo do peito.
Um dia todos nos reencontraremos, para viver em um mundo “onde o amor, somente o amor, há de reinar”
.

 

A saudade é uma carta d’alma,
missiva, como gardênia, que perfuma e encanta,
memória secreta que abrasa e acalma,
lembrança que incendeia na falta de quem se ama.
 
Lembrar é amar o que não se esquece,
e amiúde sorrir e chorar o que ainda se vive,
sangue nas veias que incinera e não arrefece,
coração que não bate, mas resiste.
 
Ao amor é defeso o esquecimento,
sem reminiscências, morre-se sem partida,
e é melhor a catarse das próprias exéquias sem sofrimento,
do que morrer sem amor e viver sem vida...

Tarcisio Bruno
Enviado por Tarcisio Bruno em 13/02/2016
Reeditado em 02/04/2024
Código do texto: T5541911
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