RAMON NO AVIÃO

Ramon entrou no avião sabendo que morreria em poucos minutos. Um Boeing 777 com turbinas de um 737 não conseguiria decolar de jeito nenhum. Chegaria ao fim da pista e explodiria no bosque de abetos que cercava o aeroporto. Como previsto.

Mas e os outros passageiros? Pareciam tão felizes, conversavam, riam. Será que não sabiam? Ramon conferiu de novo seu cartão de embarque. Não havia dúvida. E ele ainda tinha confirmado com a funcionária da companhia, uma jovem de olhar mortiço, lábios arroxeados e pele cor de leite de búfala com mastite, que lhe dissera: “Não se preocupe, senhor, deste voo o senhor não sai com vida”. Era o voo certo, Ramon tinha certeza, então se acomodou em seu assento, próximo à asa direita, na janela. Olhou para fora, certificando-se de que a turbina era de fato a de um 737. Depois olhou ao redor, confirmando o tamanho do avião. Era realmente um 777, enorme, com três fileiras de poltronas, sendo a do meio com quatro assentos. Não tinha como aquilo decolar. Todo mundo ali ia morrer.

No entanto, nenhum passageiro, a não ser Ramon, parecia conhecer seu destino. Ou será que queriam tanto o fim de suas horríveis vidas que realmente se sentiam felizes por isso? Ramon queria o fim de tudo, mas não conseguia ficar feliz pensando no assunto, nem ao menos rir ou conversar. Morrer, para ele, era quase uma necessidade fisiológica naquele momento, mas... feliz? Não. Estava pensativo. O que virá? Deus existe? A alma morre junto com o corpo ou continua viva? Essas coisas.

Passageiros acomodados. Avisos de apertar cintos e colocar as poltronas na posição vertical acesos. Nenhuma demonstração de como usar máscaras de oxigênio. Nenhuma menção ao kit salva vidas embaixo do assento. Nada sobre saídas de emergência.

Decolagem autorizada.

O avião ganhava velocidade lentamente. Ramon viu alguns aviões estacionados e dois terminais do aeroporto irem ficando para trás. A pista era enorme. Em alguns segundos chegariam ao bosque. Em menos de um minuto estariam todos mortos.

Porém, passaram-se dois minutos e nada. Cadê o bosque? A pista não acabava. É certo que o avião não atingia a velocidade necessária para decolar, mas já era para ter batido nas árvores e explodido. Ramon olhou de novo pela janela. Viu os mesmos aviões estacionados e os mesmos terminais que tinham ficado para trás no início do procedimento. Imediatamente se deu conta do que estava acontecendo: a pista não acabava porque quando chegavam ao fim, PUF, voltavam para o início, como num passe de mágica.

“O que está acontecendo?”, gritou Ramon, e virou-se, observando os outros passageiros. Levou um susto ao ver que todas as poltronas do avião estavam ocupadas pela mesma pessoa, replicada centenas de vezes: um homem de meia-idade, sorridente, abobado, enfiado num terno preto, que conversava sozinho o tempo todo sobre trabalho, salário, pacotes de viagem (Cancun, Disney, Miami), poder de consumo, competitividade, carros, motos, futebol, aposentadoria, e de novo sobre trabalho, salário, pacotes... A MESMA COISA O TEMPO TODO! E lá fora os mesmos aviões, os mesmos terminais passando... A PISTA NÃO ACABAVA NUNCA! Ramon estava condenado a viver aquela agonia PARA SEMPRE!

AHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!

Ramon acordou assustado no meio da noite, aos gritos, suando frio, tremendo dos pés à cabeça. Olhou o relógio. Três da madrugada. Fechou os olhos e disse para si: “Viver é bom... Viver é muito bom”. Depois pediu, quase chorando: “Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, me ajude...”.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 16/02/2016
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