O FUTURO DECAPITADO

Minha mente, hoje, é um espaço desconhecido, lugar ermo e solitário, facilmente ocupado por impressões, imagens, sonhos, pensamentos... indomáveis, turbulentos e agonizantes.

Tento concentrar-me e mirar-me no alvo certo, naquilo que sei que devo fazer e deve ser feito, mas as rédeas de minha jornada estão completamente soltas e desvencilhadas de minhas mãos.

Sei exatamente onde devo chegar e o que quero ter, no entanto tal qual uma diligência sem cocheiro e a correr precipitadamente sem se dar conta do que há pelo caminho, se é que há caminho, sem se dar conta onde termina o caminho, se é que há caminho, assim me encontro.

Sinto-me como se estivesse oco. Sinto-me como uma casa vazia, sem gente, sem móveis, completamente desocupada, fechada, onde só os fungos e ácaros são os seus moradores, felizes moradores, os quais se alegram em tacitamente destruírem toda estrutura do prédio. Chego a sentir o fedor agonizante do mofo que se espalha e enche o ambiente sorrateiramente.

Já não me reconheço. Olho-me, mas não me vejo. Procuro escutar-me, mas voz não há em mim. Uma noite sem fim pousou sobre mim, noite espessa, gélida e deprimente. Tateio em busca do caminho. Tatear é o meu máximo, é tudo que me resta.

Em mim só há tergiversação sem fim. Sou um ser transitivo indireto, mas sem sinalização pelo percurso que estou andando. Não há nada que me ligue a algo, completamente desprendido e solto, assim estou.

Minha mente teimosamente caminha em sentido retrógrado, busca o passado desesperadamente, como água corrente que procura um escape, ainda que a leve à vala e à lama. Não tenho controle sobre meus pensamentos, assim como a água não tem controle sobre sua corrida, mas unicamente corre na direção de um nível mais baixo.

Meu corpo segue o mesmo caminho de minha mente. Atrofia-se. Quase não há mais força em meus gestos, meu andar é moroso. Meu sorriso sucumbiu-se, prostrou-se diante dos dilemas vividos nesses últimos dias. As comportas da desilusão se abriram sobre minha vida, tal qual o grande dilúvio, à época dos patriarcas, devastando todo e qualquer sonho, planos e aspirações.

O futuro, antes alegre, iluminado e reluzente, agora é um espectro fantasmagórico. Não me há contentamento em olhá-lo mesmo que de soslaio. O futuro deixou de ser futuro, pois o via tão nitidamente quanto a sombra de meu corpo projetada pela luz perpendicular do sol; via-o tão nitidamente quanto a roupa que reveste e protege meu corpo. Minha mente, diante de tudo isso, refugia-se obstinadamente no passado, sem querer de lá sair.

Ando de cabeça erguida, mas de espírito cabisbaixo; minha boca fala, mas meu espírito está taciturno e lúgubre. Todos hão de achar que estou vivo, no entanto morto estou.

Morto estou. Não há homem sem sonhos, sem planos, sem alegria, pois a vida de um homem se consubstancia na presença pulsante desses substantivos que se adjetivam nas suas expressões e condutas. Não há homem sem presente e sem futuro, e a mim só me resta o enclaustramento em um passado estático. Tudo de mim que se projetava para um futuro foi elidido.

O futuro?!! Decapitaram-no! E o seu sangue jorra e corre tal qual um tsunami devastando tudo que há pela sua frente não se importando se seu oponente seja um ser vivo ou não. Tudo que lhe importa e lhe satisfaz é destruir, destruir...

Vejo nos rostos das pessoas, que por mim passam, um sorriso e um toque de alegria, é certo que, em algumas, esse sorriso e esse toque de alegria é mais vívido, do que em outras. Talvez, não o sei ao certo, seja apenas uma arma usada por elas para sobreviver diante de seus profundos dilemas, mas isso não vem ao caso. O que vem ao caso é que esse contraste entre mim e elas faz-me sentir um verme, um nada. E esse sentimento faz-me querer ficar longe de todos; longe desses rostos sorridentes, os quais fazem questão de revelar uma felicidade eterna, sem fim, onde nada a obstaculiza, uma autoestima exacerbadamente prepotente; pessoas que se vangloriam de serem completamente detentoras do controle do timão de suas vidas; pessoas que se jactanciam de que não há tsunami em suas vidas, mas apenas e tão somente pequeninas ondas, facilmente transponíveis.

Minha capacidade de vigilância emocional foi perpetrada pelo ataque sorrateiro e homicida de minhas escolhas e atitudes. Estou completamente hipovigil. E essa hipovigilância faz de mim um depósito, uma lixeira de todos os tipos de pensamentos depredatórios de minha mente, de meu espírito, de meu corpo.

Manoel Barreto
Enviado por Manoel Barreto em 17/03/2016
Código do texto: T5576740
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